Xamanismo e Sufismo, cruzamento de culturas espirituais
O Xamanismo é das mais antigas culturas espirituais da
humanidade.
Sua meta é pelo contacto com o mundo espiritual obter o
equilibrio e o bem estar de uma tribo-população por meio de um intermediário
que tem essa capacidade espiritual de intermediação, o Xamã.
Esse equilibrio e bem estar consiste na sobrevivencia da tribo
seja pela caça de animais seja pela cura dos seus membros em ‘desiquilibrio’ (
actuando no plano espiritual para curar no plano fisico).
Sessão xamanica no Uzbequistão
Como técnicas base
usam o som (tambores, matracas, etc) e o movimento corporal em danças ritmadas (imitando
por exemplo os movimentos dos animais de que dependem) para estabelecer essa
comunicação espiritual (hoje chamada de estado alterado de consciência) durante
viagens induzidas, donde trazem as respostas às questões colocadas pela tribo
ou pelos seus membros.
O Sufismo é a faceta mais esotérica da espiritualidade árabe.
Sua meta é a comunicação directa do individuo com o plano
divino para, neste caso, se produzir uma evolução espiritual pessoal , que
estabelece o equilibrio do homem consigo mesmo e com a Divindade Allah.
A sua cerimónia mais conhecida é o Dikr, reunião de adeptos
que por meio do movimento corporal ritmado e da vocalização exaustiva dos
nomes de Allah, pretendem alcançar essa meta de união com o Divino dentro deles
(o equilibrio interno desejado).
Dikr Sufi no Uzbequistão
Históricamente estas duas culturas evoluiram em separado mas
em certos casos e certos povos a partir de uma dada altura na história e como
resultado da movimentação dos povos, houve uma mistura muito interessante entre elas.
Esta mescla fez-se sobretudo na Asia central, de inicio,
apenas xamanica, e que com o avanço nessa zona da influencia arabe, foi
produzindo essa mistura de culturas.
Assim os xamãs nessa zona foram progressivamente ‘adaptando’
o cerimonial do dikr não para a união com o Divino mas para a cura, usando a
formula da vocalização dos nomes de Allah para ‘chamar’ os espiritos da cura.
Nessas zonas ( Uzbesquistão, Kazaquistão e provincia chinesa
de Xinjiang) os tumulos dos santos sufis eram usados pelos xamãs locais como
local de recolhimento e ‘incubação’ onde pelos sonhos recebiam as instruções
dos espiritos para os problemas que lá iam colocar.
Tumulo de santo Sufi na Mongólia chinesa
No Kazaquistão acredita-se que pelo sonho se estabelece a
ligação com os espiritos dos ancestrais e aí a própria sessão xamanica tem o
nome de Dikr.
No processo de cura, de ‘jogo’ com os espiritos, o xamã Kazah
pode recitar 1000 vezes a formula sufi Lâ ilâha illa’ llâh (não existe nada senão
Deus) ou 500 vezes a formula Allâhu akbar ( Deus o Poderoso) ambas utilizadas
pelos sufis nos seus Dikr, sendo a única diferença que no trabalho do xamã
apenas ele vocaliza e toca tambor (não quem assiste) e na cerimónia sufi essa
vocalizacão pode começar no mestre da cerimónia mas de seguida é feita por
todos os presentes.
A influencia xamanica, em processo inverso, também se
produziu em zonas como na Turquia, onde chegaram os povos nómadas turcos da
Asia central com suas culturas e que posteriormente se islamizaram.
Nessa zona existe uma ordem muçulmama, os Alévi-Bektachi,
que sincretiza o islamismo com as crenças nómadas xamanicas.
Aqui o celebrante já
perdeu a ’arte’ de xamanizar, já não ‘cura’, pois apenas deseja a união pessoal
com o Divino mas para isso usa ‘técnicas’ xamanicas como a imitação do
movimento de animais nas suas cerimónias de Dikr.
Esta identificação com os animais também é feita na Anatolia
turca onde os santos sufis são identificados a cervídeos, vivem em seu contacto
e tomam a sua aparência.
O santo sufi Geyikli Baba (Pai Cervo) cavalga um
cervideo e vive na floresta com ele segundo a tradição.
Mas aqui o cervo não é um animal sagrado como nas culturas
xamanicas da Sibéria que dele dependem como animal a caçar, é um ‘instrumento’
para o santo sufi-cervo ‘guiar’ os seus
adeptos para a via espiritual de união com o Divino como guia e iniciador.
O cervo, antes caçado pelo homem xamanico, agora é ele o
caçador e salvador de almas.
Dança da garça Alévi
Os ‘caçadores’ sufi agora apenas imitam o voo da garça nas suas danças
cerimoniais durante o Dikr, deixando de lado o ‘jogo’ dos espiritos xamãnico
com objectivos de cura para , agora, apenas se concentrarem numa coreografia
mistica que visa a fusão das almas no Absoluto Divino.
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