O Bardo Thodol - Livro Tibetano dos Mortos
Parte 2
O Bardo Thodol ensina que aquilo que o homem deseja se torna o seu destino.
Quem morre com desejos, agarrado a eles, depois de morto esses desejos o seguem e o destino do morto é ser conduzido por eles em ciclos de renascimentos sucessivos até deixar de haver desejos ‘ilusórios’.
Por isso, dá instruções para, em vida, o homem deixar de ter desejos e não se agarrar a eles pois são meras ilusões que o vão seguir na morte.
Na hora da morte, o homem esclarecido deve enfrentá-la com lucidez, calma, e heróicamente com uma mente/intelecto correctamente treinado e dirigido (por mestres, gurus, escolas iniciáticas ou mesmo auto conhecimento) em vida para esse momento.
‘O derradeiro pensamento que ocorre na hora da morte determina o que se vai seguir, logo esse pensamento deve ser orientado em vida, de preferência pela própria pessoa.’
Ou seja, o que se pensou, desejou e fez em vida, culmina na hora da morte com um ‘agarrar’ a tudo isso, contudo é possivel (mas não normal) alguém nesse momento critico, se arrepender do que fez e finalmente compreender que o material é apenas ilusão e não merece tal ‘agarrar’.
‘Alija-te das paixões da vida, das vaidades, da ignorância; rompe as amarras, liberta-te do desejo, nesta vida na terra, e irás em teu caminho calmo e sereno’.
‘Ai de mim! Como me perdi neste mau caminho, curta é a vida que me resta, em breve este corpo perecerá, hei-de ser ligeiro pois não tenho tempo a perder’.
A morte deixa de ser um momento dramático (por medo e incompreensão do que se segue) mas torna-se num momento de alegre transição ( por conhecimento adquirido em vida), perde o sentido negativo e ganha o de vitória alcançada.
A verdadeira Meta no Bardo Thodol está para além das reencarnações, dos infernos, paraisos, mundos e mesmo além da Natureza, a Meta é O Sem Desejo, a Não Dualidade, o Correcto Conhecimento, a Luz da Verdade, não a nivel pessoal (no budismo não existe alma individual considerada uma ilusão de Maya, a Ignorância) mas a nivel cósmico da Verdadeira ou Última Realidade.
Quando se morre com as ilusões da vida, começam para o morto as chamadas ‘ilusões karmicas’, ou seja, o morto levou consigo na ‘bagagem’ aquilo a que se prendeu em vida, e assim essas ilusões o arrastam no pós morte para novos sofrimentos e possiveis renascimentos para ‘ver se se livra’ delas, se se purifica das ‘ilusões’ numa vida futura.
Essas ilusões variam conforme as tradições e crenças culturais e religiosas de cada pessoa, um cristão morrerá a pensar em Cristo e nos anjos, um hindu numa corte de deuses, um muçulmano em Alá e no paraiso,etc.
Quem em vida aprendeu a controlar essas ilusões, mais fácilmente pós morte o consegue e é precisamente essa a função das instruções do Bardo Thodol, ensinar ao vivo como ver as ilusões do mundo para ele ir preparado para a morte e aí nesse momento as conseguir entender e actuar de acordo para prosseguir a sua evolução espiritual e não ‘queimar’ esta vida tendo que renascer de novo.
O Bardo Thodol ensina que as coisas no mundo não são propriedade nossa, mas nos são ‘emprestadas’ enquanto cá estamos para bom uso delas (e não para a elas nos agarrarmos com sentido de posse) , e isso implica que é preciso uma mudança de atitude perante o mundo, uma inversão de intenções (uma redenção do pecado cristão) da mente de modo a vermos as coisas como ‘emprestadas’ e não como ‘nossas’.
O Bardo Thodol pretende restaurar na pessoa a divindade que ela perdeu ao nascer e assim também conferir à morte a dignidade perdida.
O morto bem guiado não cede aos seus desejos de seguir as ‘luzes opacas’ das ilusões kármicas (geradas pelo ego, pela razão do mundo) que lhe surgem algum tempo depois de morrer e prossegue seu caminho pela Luz verdadeira sem ter de fazer ‘reset’ de novo.
Durante a vida procura-se precisamente esta dolorosa ruptura com este ego (até agora estável) que quis ser livre mas acabou prisioneiro das suas próprias ilusões.
Quem consegue, após muito trabalho e esforços, trazer este ego ao controle, tem assim mais facilidade em lidar com a morte quando esta chega.
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