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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A Criação na teoria Sufi - Parte 2



Qual é a meta para quem Caminha ?

É realizar a proximidade com Allah , não Integrá-Lo , mesmo Maomé se deteve na luz do mistério da Sua Essencia ,pois Allah em Si mesmo na Sua Essencia não é accessível pelas criaturas,mesmo pelo homem Seu microcosmo que só pode atingir a realidade (não a Realidade) do que Allah emana /auto revela.

Aqui alguns sufis dizem que basta ‘estar próximo’ ou ‘contemplar ‘ Allah enquanto outros dizem que é possivel ir ‘para além de Allah ‘ e ‘mergulhar’ no Um , fonte de Allah , tal como existe esta diferença em outras doutrinas espirituais .

Essa proximidade alcança-se através da passagem por diversos estágios de abolição/ aniquilamento(fanâ), onde se atinge não uma união( ittisâl) mas uma vivência de unicidade (tawhid).

Maomé dizia : ‘Tendes de morrer antes de morrerdes’ !

Para saborear a União(dhawq) é necessário provar a morte simbólica ainda em vida, o aniquilamento do eu pequeno , enquanto exercicio de renascimento prepara o homem para a morte fisica e para o nascimento do Eu grande .

Um sábio sufi dizia :’ O homem quando vive dorme e desperta quando morre ‘.

O sufi está sempre desperto .

Maomé dizia : Os meus olhos dormem mas não o meu coração .

Um Pai do Deserto para se manter alerta estava constantemente a perguntar ‘Que horas são ?’ .

O mestre Zen Honchu perguntava a cada minuto : ‘Honchu ,onde estás?’.

O eu pequeno e material tem de se aniquilar á custa de um alerta permanente ao Eu grande espiritual que a cada segundo tem de estar ‘virado’ para aquilo que realmente importa ao homem , a sua origem e destino Verdadeiros.

Vai-se retirando sucessiva e progressivamente os véus (ou seja ,a ignorância do homem) que O escondem até se chegar á Sua proximidade.

Começa-se por admitir/ter Fé em Allah , reconhecer que se é impotente para conhecer o Conhecimento ( isto já é um conhecimento,uma humildade e um primeiro passo ) .

O caminho do sufi implica o aniquilamento gradual do eu até chegar a Allah (apenas à Sua proximidade segundo alguns ) e perceber aí Allah como o Criador no centro plural de toda a criação.

O aniquilamento do eu não implica que o eu tenha tido alguma vez existência propria, é uma forma apenas de expressão ,pois admitir sequer ter havido um aniquilamento implicaria dizer que o eu chegou a ter alguma vez verdadeira existência o que é falso e uma ilusão.

Nota :

Claro que o eu pequeno existe e tem de ser aniquilado , a expressão acima sobre a ilusão e a irrealidade do eu de alguns autores sufis é uma mera expressão filosófica assim como se diz que só o Um tem Realidade e tudo o resto é ilusão irreal , ou seja está-se a falar em planos-niveis diferentes.

As criaturas têm um eu pequeno e um Eu grande e há que ‘aniquilar/diminuir/ relativizar/manter à escala própria’ o pequeno e desenvolver o grande começando por uma Fé inicial .


Essa ilusão ( pensarmos que o eu tem importância quando na ‘realidade’ não a tem) é criada porque sendo nós um reflexo da Luz criadora ,essa Luz é de tal intensidade que mesmo os seus reflexos nos ‘ofuscam’ e nós pensamos ( fruto da nossa ignorância) que somos reais (que o nosso eu é o único que existe e que importa e não um mero reflexo virtual) quando não passamos de um reflexo divino,a verdadeira Realidade.

Alguém disse ‘ a ilusão terrestre reflecte uma situação real ‘,o problema do homem é pensar que essa realidade é Real e andar atrás das coisas ,de meros fantasmas que nada reflectem do Real .

O caminho do sufi é ganhar Conhecimento-consciência desta ilusão e ter a humildade de reconhecer que a Realidade não é ele mas quem o criou e começar a ‘cooperar ‘ com o seu Criador.



Antes do fanâ ( aniquilamento) vive-se no mundo irreal, mutável, impermanente , depois do fanâ está-se fora do tempo numa subsistência atemporal (baqâ), um estado de vigilia , a calma do silencio absoluto , onde a Unidade é Multiplicidade e vice versa.

No fanâ , aniquilado, o sufi presencia a dissolução de tudo o que é existenciado .

Segundo o mestre Rumi: ‘Procura o tesouro nas ruínas de um coração desvastado‘.

No baqâ ,vigilante , o sufi vê o mundo emergir da absoluta indiferenciação,retomando a sua ‘realidade’,enquanto objecto de percepção.Vê Deus nas criaturas e as criaturas em Deus .

Como diz a alegoria Zen , ‘sai-se do mercado mas ao reentrar nele vê-se o mercado com novos olhos ,com mais Conhecimento do que é a vida ,a existência, a morte e a Existência .

Como diz o sufi ‘ Vê-se com 2 olhos tudo , o da Determinação e o da Indeterminação’, tudo é simples e multiplo, tudo é dual e Uno .

Maomé disse : ‘’Quem conhece a sua alma ,conhece o seu Senhor, tu não existes agora, tal como não existias antes da criação do mundo’’.

Ibn Arabi diz : A Auto-Revelação Divina não se repete,uns progridem no conhecimento e na aniquilação progressiva ,outros estagnam na ilusória realidade do eu.

O Caminho do sufi passa por estados ( hâl-fases transitórias e pura Concessão/Graça de Allah ) e estações ( maqâm-graus ganhos pelo esforço de busca ) .

A meta do sufi é alcançar uma ‘estação não-estação’( lâ maqâm),através do desvelamento e da directa visão e aí experimentar a realidade dos limites do seu anterior estado de percepção.

Nota :

Aqui de novo alguns sufis entendem que basta ‘contemplar’ o Criador-Allah enquanto outros querem passar ‘para lá da contemplação’,para o Um .


O caminho começa para alguns com Fé ,para outros com Conhecimento sendo a meta de ambos a visão contemplativa e unificadora do homem e seu Criador ( ou mesmo o ‘mergulhar’ no Um,fonte do Criador ) .

Na não-estação consuma-se a “coincidentia oppositorum” no coração do sufi .

Realiza-se o Homem Perfeito,sem atributo nem descrição e alcança-se a plena realidade do Islão na sua dupla e una realidade da Paz e abandono a Allah .

Nota : Aqui de novo se notam as diferentes perpectivas sufis , uns quedam-se por contemplar Allah ,outros por mergulhar no Um.

Pode-se falar apenas em Homem Perfeito naquele que passa para lá de Allah pois apenas esse se desprende dos Atributos inerentes a Allah ?

Perguntaram ao Mestre Abu Yazid : Como estás esta manhã ? Ele respondeu : Eu já não tenho manhãs ou noites, isso são apenas atributos e eu não os tenho.

Deixaram de existir obstáculos= véus entre criatura e o Criador/Allah ( esta é a teoria Sufi que busca mergulhar no Um pois neste caso se deixava de ter Atributos estava para lá de Allah que os tem),entre insubsistência e Existência .

Ibn Arabi diz :

‘O homem é pura imaginação,se bem que seja Real.Quem compreender isto terá alcançado os mistérios da Via ‘.

Ou seja, é Real mas é ilusão e imaginação, contradição base do Mistério Magno.

Transforma-se o amador na coisa amada ,como dizia Camões.

Nota : Quem ama o Mundo, transforma-se no Mundo. Quem ama o Criador, transforma-se no Criador. Quem ama o Um, transforma-se no Um.

Por assim dizer a "alma" ama o Criador, e o "intelecto/espírito" ama o Um.

Surge o ‘fakir’, o pobre rico em Deus , é ninguém e toda a agente , o possuidor de dois olhos (dhu’l-aynayn) ,um que vê o Ser e outro que vê o nada.

Percebe a Verdade ( esotérica) e a sua manifestação( exotérica) .

‘Apaga-se’ individualmente para o mundo e ilumina-se por dentro , daí o chamado humanismo ocidental ser considerado pernicioso no Islão porque falseia a realidade do homem dando-lhe uma existência ,baseada no seu pequeno eu , que na verdade não tem.

Assume o ideal do Profeta quando age neste mundo como se vivesse mil anos e no outro como se fosse morrer amanhã .

Não diz que Deus é Um (testemunho imperfeito pois seria associar o seu eu individual ao Ser ,enquanto testemunha que contempla ) mas que Deus É ( aqui não existe contemplação apenas União/Imersão/Fusão onde o Conhecimento apenas pertence ao Uno e a quem se encontra Nele dissolvido e reintegrado) .

Nota : Acima a escola sufi do ‘mergulhar’ no Um, neste caso no É.

O seu despojamento é como diz o sufi do sec. IX Hatim al-Asamm :’ Todas as manhãs Satã me pergunta , o que vais comer, como te vais vestir e onde irás habitar ? Eu respondo-lhe : ‘Comerei a morte,vestirei a minha mortalha e habitarei no túmulo’ .

Sábia lição para nós que todos os dias fazemos as mesmas perguntas e esquecemos que deve ser feita a Sua Vontade e não a nossa ,porque afinal a Nossa é a Dele.

Ibn Arabi :

'Aquele que aceita ser guiado por Deus será guiado por si proprio ‘.

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