-- De onde vens e para onde vais ?
-- Venho de Deus na escuridão e para Deus vou na Luz.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O Papalagui

O Papalagui aumentou a força de todos os seus membros. Alongou as suas mãos para lá dos mares, até às estrelas, e tornou os seus pés mais rápidos que o vento e as ondas. O seu ouvido é capaz de aperceber um sussurro em Savaii e a sua voz possui asas de pássaro. Os olhos dele até de noite vêem. Vê através do homem como se a carne deste fosse água límpida, e distingue as imundícies que há no fundo da água.

De tudo isto fui eu testemunha. Mas o que aqui vos digo é apenas uma pequena parte de tudo quanto os meus olhos viram, e me deixou estupefacto. A grande ambição do Branco é, podeis crer, realizar sempre novos e cada vez mais imponentes milagres. E assim, milhares de Brancos passam as noites em dificílimas pesquisas, a ver se descobrem como hão de vencer Deus. Pois é isso na realidade o que está em causa: o Papalagui aspira a tornar-se Deus. Gostaria de destronar o Grande Espírito e apropriar-se de todos os seus poderes. Deus é, no entanto, maior e mais poderoso do que o maior dos Papalaguis, mais as suas máquinas. É Deus quem decide qual de nós irá morrer, e quando morrerá. É a ele que em primeiro lugar obedecem o sol, a água e o fogo, e não será nos nossos dias que um Branco vai domar à sua vontade o nascer da lua e a direção dos ventos.

Enquanto assim for, nenhum daqueles milagres terá grande importância. Muito fraco será, queridos irmãos, aquele de nós que se deixar impressionar por tais milagres, aquele que, subjugado pelas suas obras, se prosternar perante o Branco, aquele que se sentir pobre e desprezível por não ser capaz de conseguir obrar coisas por suas próprias mãos e espírito. Pois ainda que esses milagres do hábil Papalagui se afigurem, aos nossos olhos, espantosos, vistos de perto, à clara luz do sol, não têm mais importância do que o simples ato de talhar uma moca ou de entrançar uma esteira. O que o Papalagui faz assemelha-se, ao fim e ao cabo, às brincadeiras de uma criança na areia. Nada do que o Branco faz pode igualar, de longe que seja, as maravilhas do Grande Espirito.

O Papalagui
Discurso de Tuiavii, chefe de tribo de Tiavéa, nos mares do sul.
p. 84

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