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terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Conceitos base sobre Alquimia




Conceitos base sobre Alquimia

A propósito do “oleiro demiurgo” e do alquimista, “a função soteriológica dos mitos nasce sempre de uma prática”.

Mircea Eliade, na sua obra capital sobre a Alquimia – “Ferreiros e Alquimistas” – fundamenta exaustivamente esta tese, trazendo-nos uma visão clara daquilo que é a experiência alquímica: a sacralidade da matéria e das suas transformações, bem como a experiência que delas tem o operador.

A natureza profunda da Arte de Hermes é a vibração, em uníssono, da matéria, do operador e do Cosmos; esta é uma visão tradicional – melhor, primordial – que apenas parecerá estranha à nossa mentalidade analítica e separadora, oposta à das correspondências, das analogias e das sínteses.

Analogamente, quer o discurso alquímico se situe ao nível simbólico, quer a nível operativo ou especulativo, permanecerá sempre como o reflexo da unidade intrínseca da alquimia.


Portanto, a alquimia é, desde logo, a experiência da unidade.

Mas essa experiência é feita, dramaticamente, através da manifestação dual da realidade no nosso “mundo sublunar”.

O caminho alquímico é aquele que vai do “1” ao “2” e do “2” ao “3”; não se trata, pois, de um dualismo (maniqueísta, cartesiano ou estruturalista), mas de uma “dualidade” que se supera a si própria por meio de um mediador: o “3”.

A mediação alquímica – o “sal” que permite a conjunção das duas naturezas contrárias, o “enxofre” e o “mercúrio” – é dupla: horizontal, unindo o “masculino” e o “feminino” a fim de obter o andrógino, e vertical, unindo “o que está em cima” (o Logos, o espírito Universal) com “o que está embaixo”, para espiritualizar a “matéria” e, concomitantemente, corporificar o “espírito”.

Forma-se assim, em consequência desta dupla “hierogamia”, uma cruz (o “4”), no centro da qual se encontra o coração – o “5” do microcosmos ou a “quinta essência” – que constitui o retorno à unidade (5 + 1 = 6, o “6” do macrocosmos).


O processo iniciático alquímico desenrola-se também em termos daquilo que Jung denominou da “individuação” – processo de crescimento e harmonização psíquicos – mas é Henry Corbin, no decorrer da sua extensa obra sobre o esoterismo islâmico, que desenvolve um conceito que tem muitíssimo a ver com a iniciação alquímica: o “imaginal” (o qual transcende a mera imaginação psíquica).


O correlativo “mundus imaginalis” é o mundo intermediário entre o sensível (“physys”) e o inteligível (“noos”, “pneuma”), entre o “imaginário” e o “simbólico”, mundo intermediário das imagens arquetípicas – da “imaginação creadora” – mundo da Alma (individual ou do Mundo, “Anima Mundi”), ao mesmo tempo “Terra celeste” e “Corpo de Ressurreição”.

 Mas, como se desenvolverá o processo alquímico, de modo a permitir a dupla operação de “transformar em idéias as coisas exteriores e as coisas exteriores em idéias”?


Desde logo, como em todo o processo iniciático, é preciso passar pela fase da “morte”, da “abertura” – o “caos alquímico”, em que se dá a  “separatio” dos elementos, o “solve”, ou “nigredo” – à qual se sucede a, agora possível, “informação” (“consciência-conhecimento”) da “matéria” pelo Logos – a “purificação”, a “sublimação”, o “albedo” – e que permitirá uma nova “estruturação” (“consciência-organização”) – o “rubedo”, “conjuntio”, ou “coagula”, a qual conduzirá à “Pedra Filosofal”.


Curiosamente, segundo a ciência atual – por intermédio dos trabalhos de um dos seus maiores expoentes, Ilia Prigoggine – a criação físico-química de estruturas dá-se através das seguintes etapas, cuja analogia com as do processo alquímico é notável:
  • O sistema deve estar “aberto” (o “solve”);
  • Deve verificar-se uma “flutuação” de algum parâmetro (o que corresponde à etapa da “informação” pelo Logos ou pelo Espírito Universal);
  • É necessário que a flutuação se amplifique para dar origem à criação (“poiesis”) de uma nova forma de organização ou de estrutura (o “coagula”). 

Esta analogia não deixa de surpreender pela constatação do acordo entre a Tradição e os dados da ciência moderna.

O objetivo da alquimia é pois ser uma “química sagrada” que pretende transformar, transmutar, o operador, a matéria e o cosmos – é (re)despertar a Vida na matéria e, ao mesmo tempo, (re)criar a Vida dentro do operador…


Os alquimistas cristãos não hesitavam aliás em considerar a ressurreição prometida aos eleitos como uma verdadeira transmutação de todo ser humano (corpo e alma).

É deste modo que tentaram interpretar este famoso versículo do Apocalipse:

…Ao vencedor, disse o Espírito Santo, eu darei o maná escondido e uma pedra branca, e sobre esse seixo um novo, que não é conhecido por ninguém, excepto daquele que o recebe.
Livro de Apocalipse
Incontestavelmente, a alquimia tradicional apresenta-se sob o seu aspecto de “oratório” – como uma ascese destinada a buscar a iluminação libertadora.
A iluminação atingida pelo adepto acha-se descrita em uma série de textos, ao mesmo tempo belos e precisos como este :

A grandeza está em Deus, mas esta grandeza é infinita (…) A duração está em Deus; mas esta duração é a eternidade…
Raymond Lulle

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