Desbloquear o poço de água viva
Há tantos tipos diferentes de meditação quanto há diferentes culturas.
A meditação baseada na atenção focada, a meditação baseada na consciência aberta e a meditação em movimento são as três principais correntes, todas com o objectivo de retirar o foco de nós mesmos e nos abrir a uma consciência mais ampla.
O focar da atenção desempenha um papel primordial em todas elas.
Se recuarmos na Tradição Cristã ao ensinamento dos Padres e Madres do Deserto do séc. IV, vemos que a ênfase é posta claramente no foco unidireccional – a repetição de uma frase de oração ou “fórmula”, como João Cassiano lhe chamava.
Mas nos escritos de Evágrio, mestre de Cassiano, encontramos não apenas a primeira corrente, mas também a segunda.
Primeiro, a ênfase é posta na oração com uma frase, acompanhada pelo seu conselho de que identifiquemos, mas deixemos ir, as “distracções”, os pensamentos que vagueiam, e, então, regressemos à palavra sempre que nos tivermos extraviado do caminho estreito da atenção.
Em segundo lugar, Evágrio ressalta a consciência, momento a momento, das nossas sensações, sentimentos, pensamentos, desejos e acções e da relação ocasional entre eles.
Aqui, recomendava uma atitude de total presença no momento presente, consciente de todos os aspectos do nosso ser.
Esta segunda corrente de meditação é agora conhecida como “mindfulness”, mas constitui uma grande parte do ensinamento de Evágrio.
Ele enfatizava-a tanto porque é um ingrediente essencial no caminho para o autoconhecimento e a auto-aceitação, conduzindo à transformação do nosso ser como um todo, retornando ao seu estado original de equilíbrio e integração.
A terceira corrente da meditação, a meditação em movimento, encontramo-la também na Tradição do Deserto.
Não se trata duma viragem para as práticas Sufi ou para o Chi Kung/Tai Chi ou para o Ioga.
Mas era grande o envolvimento do corpo deles na oração.
As vénias, a genuflexão e a prostração total eram formas de expressar humildade e reverência por meio do seu corpo – movimentos similares podem ser encontrados, também, noutras tradições.
A regra era estar de pé durante a oração, ou com as mãos dos lados ou com os braços elevados e abertos, com as palmas das mãos viradas para cima.
«Cada ser espiritual é, por natureza, um templo de Deus, criado para receber em si a glória de Deus. […] Cada uma das almas contém um poço de água viva. Tem nela […] uma imagem enterrada de Deus. É esta a fonte […] que os poderes hostis bloquearam com terra…
Esta nascente está em nós e não vem de fora porque “o Reino de Deus está em vós”. (Lc 17:21) […] Pois a imagem do Rei dos Céus está em nós. Quando Deus fez os seres humanos, ao princípio, fê-los “à Sua própria imagem e semelhança” .
Evágrio e os seus companheiros Padres e Madres do Deserto nunca duvidaram de que não temos que alcançar a nossa ligação com o Divino – ela forma o nosso ser essencial.
Tudo o que precisamos de fazer, com a ajuda da Graça, é desbloquear o poço de água viva dentro de nós.
O que bloqueia este poço são as nossas emoções desordenadas: Isto explica a necessidade tanto da atenção na oração, de forma a estarmos abertos aos chamamentos dentro de nós, como da consciência/ ”mindfulness” das sensações, sentimentos, pensamentos e desejos na nossa consciência superficial, a qual, se desordenada, forma os torrões de terra que bloqueiam o nosso acesso à “água viva”.
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