Prática da Via interior no quotidiano
segundo Karlfried
Durckheim
Qual a vocação do homem?
O homem nasce com dons e capacidades, a sua vocação é
usá-los e não os ignorar.
Os animais podem dormir de pé mas o homem cai se adormece
quando está de pé.
A vocação do homem é estar em Alerta permanente pela vida
fora.
A vocação do homem é testemunhar o Divino à sua maneira,
para isso tem uma consciência- livre arbitrio que o torna responsável do seu
destino.
A vocação do homem é ser o Servidor e cooperante do Divino
em si e de o fazer com toda a sua liberdade e livre arbitrio.
Aqui se encontra também a sua oportunidade e o seu
perigo, oportunidade de se integrar no Divino ou Dele se afastar, consoante
escolhe entre os simbolos do Paraiso (vivendo no Caminho da atenção permanente
ao Divino) ou do inferno (esquecendo-se na vida que existe Divino e que essa
é a sua missão ao nascer).
Porque o homem está sempre em tensão e angustia?
Porque de um lado o mundo o reclama pretendendo dar-lhe
uma segurança exterior de conforto e do outro ouve um apelo interior para o Ser
Divino que lhe faz ver que o homem foi criado como ser espiritual e é nesse
sentido que deve viver e não viver apenas para o mundo e para a segurança exterior.
O homem adoece se não ouve esse apelo de dentro e apenas
se vira para o mundo.
Quando o homem se limita a compreender o mundo, a
desculpar-se, a consolar-se, está apenas a negar a sua Liberdade e a sua
responsabilidade.
Quando o homem ouve o apelo interior, isso liberta uma
força (ligada ao poder criador da Fonte)
que transforma o sofrimento e a angústia do homem de forma miraculosa e
lhe permite ser quem É verdadeiramente sem artificialismos nem apegos
materiais.
Existe solução para esta tensão?
É o homem adoptar uma mudança de atitude na vida e
sobretudo na pratica diaria que o aproxime do Divino em si, ouça o seu apelo,
sinta a Sua Presença no dia a dia e o siga.
A aventura da alma humana é no dia a dia estar consciente
da Presença do Divino em si.
Porque esquece o homem que é um ser espiritual?
Porque ao nascer se sente abandonado num ambiente
desfavorável e hostil e cria defesas de
protecção e segurança, 'formas de adaptação' que o afastam da sua essencia, da
sua Fonte espiritual em si e assim corta-interrompe a sua ligação a essa Fonte.
O homem em vez de se ligar ao abrigo inviolável do seu
Ser, abandona-se à dependência de outros para ser aceite, acolhido e amado.
Triste escolha pois só o Ser interior tem o Amor que o
homem precisa.
Esse desligar da Fonte petrifica o homem que deixa de a
ouvir e apenas segue o mundo.
Quando se lembra o homem que é mais que um corpo fisico e
um ego materialista?
Quando por circunstancias diversas da vida, sente que
existe 'algo' mais que até aí não tinha percebido, 'algo' que agora em certos
momentos na vida lhe traz uma 'nostalgia' desse 'algo' (da casa do Pai, da
Pátria perdida) que não consegue 'agarrar', 'algo' fugidio, que lhe escapa das
mãos mas que ele agora reconhece como muito importante, mesmo chave para a paz, equilibrio e estabilidade na sua vida
e por isso quer 'perseguir' essa nostalgia pela vida fora.
Porque o Caminho espiritual é tão dificil e doloroso?
Porque temos de abandonar hábitos antigos ligados às
coisas e ao mundo e isso exige esforço e trabalho pela vida fora.
Antes de começar a subir,
o Caminho desce às profundezas mais escuras do nosso Ser para nos
'rectificar' e ensinar-nos a esvaziar do mundo e isso traz-nos sofrimento e
dor.
É preciso muita coragem para suportar as muitas noites
escuras da alma, de aceitar o 'inaceitável', de conseguir renunciar ao apego do
mundo.
Mas quem provou, mesmo por um breve instante, o que é
estar ligado ao nosso Ser verdadeiro, à Pátria verdadeira, afirma sem hesitação
que tudo vale a pena para lá chegar e sobretudo lá permanecer cada vez mais
tempo, pois testemunha a Liberdade verdadeira, mesmo que tenha, enquanto está
vivo, de regressar ao mundo condicionado da existência humana, mas agora vivido
com uma nova atitude-perpectiva, nele viver sem a ele estar agarrado (eu vivo
aqui mas com 'outra' atitude) pois eu agora Sei, não tenho apenas Fé.
O medo da aniquilação pelo mundo desaparece quando o
aceitamos, quando as noites escuras e o desespero mais negro nas nossas vidas é
transformado pela nossa aceitação e abertura ao Divino em nós.
Quando a casca protectora do mundo que dá a segurança ao
homem se quebra, existe aí a oportunidade do Divino surgir se.....o homem
aceitar o 'inaceitável' e se abrir ao 'novo desconhecido' que pode surgir em
sua vida.
Aí seremos pobres para o mundo mas ricos de riquezas e
força interiores.
Aí teremos a dignidade do audacioso, a coragem de viver.
O mundo se submete quando o compreendemos e o
'reconhecemos', o Divino não se mostra em nós senão quando suportamos e
aceitamos o ' inconcebivel'.
O mundo leva- nos à estabilidade, à segurança, ao
conforto do mundo, o Divino nos leva a ousar, a abrir novos caminhos e
desafios.
O mundo nos torna ricos por fora, o Divino ricos por
dentro.
Como se traduz a ligação ao Divino em nós?
Cada pessoa dá explicações diferentes, uns falam num
planar e paz interior, outros em estarem ligados a tudo mas desligados de tudo,
outros que tudo desaparece e não existem juizos de valor.
Quem está desligado está crispado numa posição de defesa
em sua concha de segurança, quem está ligado está aberto ao novo, está
'dissolvido' sem medos do que pode surgir em sua vida.
A crispação exige do homem estar sempre em controle das
situações na vida, em tensão permanente de observação.
A 'dissolução' exige do homem apenas um 'deixar
andar-fluir' , uma plena confiança e abandono mas também uma 'colaboração' com
o Divino interior.
Quem está ligado, aborda cada momento, como se fosse um
novo momento, mesmo que já o tenha 'conhecido' antes (sob outras nuances) ,
está aberto à Vida que não vai se
repetir, e dá-se, tal como é, a cada instante.
Quem está ligado, tem uma serenidade independente do
mundo, olha de dentro para fora e não de fora para dentro.
Quem está ligado, permite que o Ser jorre na vida, em
seus ciclos, de altos e baixos.
Essa ligação uma vez conseguida mantêm-se sempre?
Não, dura é mais tempo cada vez que se consegue à medida
que a prática se continua pela vida fora numa repetição perpetua.
De inicio surge e logo desaparece, não depende de nós, é
uma Graça, não o podemos fazer repetir nem o reter, com a pratica continua
aprendemos que certas atitudes, certa forma de consciência tornam por assim
dizer mais 'fácil' de Ele surgir de novo e por isso nós procuramos essas
praticas, esses 'rituais' no nosso dia a dia, pois percebemos que isso nos traz
de volta o nosso Ser Divino, mas nada é garantido aqui, basta desviarmos a
nossa atenção para o mundo para se perder o que até aí foi alcançado e termos
de recomeçar de novo.
E quanto mais 'experimentamos' o Divino em nós mais
sentimos a sua falta quando Ele não está presente, daí a angustia e a secura
constante do homem a Caminho, que são amplamente 'compensadas' pelo calor dessa
sensação 'criadora' que nos percorre quando de novo nos integramos Nele.
O homem tem tendência natural de se proteger e quando
experimenta o Divino de construir à volta dele um templo de 'abrigo' para
'conservar' esse Divino (aí nasce a idolatria).
Isso é errado, pois o Divino não precisa nem quer
templos, os templos devem ser continuamente destruidos para criar o novo em
cada instante da vida e só assim pode brilhar o Divino em nós.
A transformação espiritual do homem pela vida fora
exige-lhe que não se fixe em 'tranquilidade eterna' mas que esteja em
permanente movimento de mutação e abertura ao que a vida lhe traz, uma vida
continuamente vivida em Divino movimento.
Esse movimento tanto lhe pode trazer luz como sombras e
ambas devem ser reconhecidas e enfrentadas como fazendo parte do processo, só
ligar à Luz e não às sombras é tão errado como só ligar às sombras e não à Luz.
E também tão errado como pensar ter 'adquirido' um
patamar superior só porque conseguimos uma ligação mais frequente com o Divino
e daí nos retirarmos do mundo tipo eremitas modernos numa atitude pouco humilde
e indigna de um Servo do Divino.
Como se progride espiritualmente?
Pela transformacao constante, abandonando formas antigas,
rotineiras de hábitos ligados às coisas do mundo, abandonando a segurança
'cómoda' e ousando deixar fluir a vida.
Trabalho dificil que exige pratica,
pratica continua pela vida fora tendo como sentido, não como meta, nos
tornarmos mais conscientes do Divino em
nós.
É preciso sabermos deixar a nossa vontade mundana e
egocentrica para que a Vontade Dele se manifeste em nós e nós passemos a ser o
Seu canal manifesto neste mundo.
E não nos deixarmos enganar por falsos mestres que nos
querem dar a tranquilidade a preço de saldo, a paz podre agarrada às coisas do
mundo sem que o nosso Ser desperte para uma vida em continuo movimento e aberta
ao novo em nossas vidas.
Existe uma atitude justa e uma falsa no Caminho?
Sim, a falsa quer nos fixar à segurança, ao previsivel,
ao comodismo, a uma vida estática, defendendo 'posições' e tendo medo do novo e
do desconhecido.
Quer dar-nos uma tranquilidade 'burguesa' , onde nada
mexe e tudo 'parece' previsivel para o nosso ego comodista.
A justa, ao contrário está aberta ao novo, às surpresas
da vida e assim é movimento puro e nós passamos a ser um Ser integrado nesse
movimento de Vida em Paz, aceitando as circunstancias da vida como elas são e com
elas sempre aprendendo algo de útil para o nosso crescimento espiritual que é
um movimento permanente de 'morrer e nascer' em cada dia.
A justa dá-nos uma 'forma' , um invólucro que contém um
novo 'conteúdo' distinto do corpo fisico, pois mudámos a nossa atitude anterior
perante a vida.
O corpo fisico está ligado ao mundo não ao Ser em nós, por isso precisamos de 'adquirir' um outro corpo,
não fisico, mas espiritual por uma mudança da nossa atitude em relação ao modo
como nos ligamos às coisas e ao mundo.
Como conseguimos distinguir a atitude justa (Deus) da
falsa (Diabo) ?
Tarefa dificil e dependente sobretudo da prática no
Caminho para dentro, pois o Diabo para nos
'seduzir' , tipo sereia, aparece-nos em 'vestes justas' e só se
estivermos bem centrados pela pratica quotidiana e aprendido com as
experiências anteriores, saberemos distinguir o ladrão do dono da casa.
Quantas vezes o Diabo nos dá uma sensação de paz interior
para nos tentar, só quem está centrado se apercebe que essa paz, ilusória, é
uma paz podre, sem movimento, que apenas nos estagna e paralisa.
A prática dá- nos uma 'intuição' do que é ser justo e é
essa intuição que nos ajuda a distinguir o justo do falso e a progredir na
nossa transformação pela vida fora apesar dos obstáculos e duras provas a que
somos sujeitos.
Porque estamos separados do Divino em nós, porque Ele
está escondido?
Porque Ele é Vida, movimento perpetuo e não se mostra a
quem está fixo na vida, a quem está agarrado às coisas.
Ele opõe-se à
rigidez do nosso eu racional e ao nosso apego ao mundo, pois assim criamos um
véu que nos oculta Dele.
Existe alguma meta espiritual na vida? Existe a
felicidade (estática) em vida?
Não, o homem em vida está sempre a caminho, cada dia é um
passo, em cada dia o homem deve estar consciente disso e manter o contacto
permanente com o seu Ser interior e deixá-lo fluir pois só assim o homem se
Diviniza neste mundo e assim cumpre a sua razão de ter nascido, de poder
manifestar o Divino em vida.
A racionalidade, a mente humana é um obstáculo para a
manifestação do Divino em nós?
Não, a razão humana que nos distingue dos animais, não é
por si, um obstáculo.
Só o é, se ficar aprisionada ao mundo, se se cristalizar
e fixar sem movimento tornando-se 'radical' e sem Vida.
Se fôr capaz de criar, em nós e no mundo, uma dinâmica
que favoreça o aparecimento de receptáculos (vasos ocos prontos a 'receber')
do nosso Ser, então aí, cumpre a sua razão de existir.
A vontade própria do homem, o 'Eu quero fazer', é um
obstáculo na transformação ?
Sim, pois essa vontade é egocentrica, ligada apenas às
coisas e ao mundo e prende a vida.
Só a Vontade que jorra de dentro é libertadora e criadora
de vida.
Já Cristo dizia 'que se faça a Tua e não a minha
vontade'.
Mas o homem não tem que perder-matar a sua vontade própria, mas sim colocá-la ao
serviço da força que jorra da Fonte interior, dessa Vontade-força que nos guia
sempre pelo caminho certo se nos 'deixarmos' guiar por ela, sem medos ou
temores de cair no abismo ou no nada do completo abandono.
Só assim a vontade existencial se torna útil, não ao
serviço dos desejos do 'pequeno eu' e do mundo mas sim ao serviço dessa força
que surge de dentro.
O Nada, o Vazio, na Vida, não existem porque não existem
nunca espaços vazios na Vida, tudo o que é abandonado é logo cheio pelo Divino
que 'adora' encher o que está livre..., os receptáculos que estão ocos para os
Vivificar e Divinizar.
Possa também o homem se esvaziar do mundo para ser cheio
do seu Ser verdadeiro, da sua própria
manifestação Divina e assim cumprir a
sua vocação quando nasce neste mundo.
De que serve a prática do nosso dia a dia para a nossa
evolução espiritual?
Todos os dias agimos, quem está atento no Caminho age com
um sentido interior, com uma atitude e um modo diferente de quem apenas age
para o mundo.
Na maneira de
fazer,de agir está a diferença, quem o faz deixando fluir a força interior e
não se deixando influenciar pelo mundo exterior, pode muito ganhar e avançar na
sua própria evolução espiritual.
O Caminho é
abençoado para aquele que não se crispa no 'eu devo fazer' mas acolhe
com humildade (pois está consciente da sua fraqueza) e confiança (Fé) total
essa grande Força que jorra do seu interior mais profundo.
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