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segunda-feira, 24 de março de 2014

A aniquilação mística em Marguerite Porete e Ibn’Arabī - Parte 1








A aniquilação mística em Marguerite Porete e Ibn’Arabī

O período entre a metade do século XII e o começo do século XIV constituiu o florescimento, quase simultâneo, da mística apofática nas tradições islâmica, judaica e cristã.

O tema da aniquilação mística, aparece na obra de Marguerite Porete, que pertence à tradição béguine do século XIII, e no sufismo de Ibn’Arabī, nascido em 1165 no al-Andalus, império islâmico ocidental.

A aniquilação do criatural na alma, atualiza seu verdadeiro eu, oculto no mais profundo recôndito da alma, na profundeza abissal onde Deus reside e a alma retorna ao estado de preexistência em Deus.
A criatura humana é uma imagem incompreensível do Deus incompreensível.

Marguerite Porete e de Ibn'Arabi, ambos falam na dinamica entre o amor e a aniquilaçao na jornada em direcçao á união mistica, que resulta na particular compreensao do "nada" divino e humano.

As ideias do sufismo circulavam quando Porette viveu e possivelmente influenciaram a autora, pois a compreensao de união mistica e a noção de aniquilaçao em Marguerite Porete é muito próxima dos seus contemporaneos sufis.

Ibn'Arabi (1165-1240} precede cronologicamente Marguerite Porete (morta em 1310).
Considera-se tambem a influencia neoplatónica comum ao pensamento dos dois autores.

Marguerite Porete escreveu apenas um livro O Espelho das Almas Aniquiladas, e são os textos desse livro O Espelho, que vamos analisar de seguida, enquanto Ibn Arabi escreveu inúmeros livros sobre a espiritualidade Arabe que são analisados em certos detalhes também de seguida.

A espiritualidade cristã no final da Idade Média

Foi reforçada a idéia de que a humanidade possui a “capacidade para Deus” por sua própria criação e de que cada ser humano deve abrir seu caminho individual para Deus.

Tanto a mística baseada na piedade afetiva dos cistercienses e franciscanos quanto a mística com raízes filosóficas no neoplatonismo passaram a enfatizar a presença de um fundamento de “semelhança” a Deus na alma humana.

A expressão “sem um porquê”, criada pelas Béguines foi retomada por Hadewijch de Brabante, por Marguerite Porete, por Catherine de Gênova e finalmente por Eckhart, que a tornou famosa.

Os textos das béguines indicavam a existência de alguma parte incriada da alma que partilha uma profunda e total união com o divino e ancoravam a sua autoridade, ao menos em parte, em visões diretamente dadas por Deus.

As béguines, enquanto “especialistas” da experiência mística, tinham por objetivo final transcenderem a si mesmas e se “fundirem com Deus” numa união sem intermediários e estavam perto do movimento dos livres-espíritos que acreditavam que podiam atingir a união com Deus na terra, mas que só poderiam alcançar esse estado por meio da austeridade corporal e da abnegação espiritual.

A obtenção desse estado resultava no distanciamento das preocupações diárias e não no envolvimento com elas.

Marguerite Porete e o seu Espelho

A maior parte do texto toma a forma de um debate entre várias figuras alegóricas, todas femininas à exceção do Longe Perto, o amado próximo e distante, que não fala.

As Damas Amor e Razão são as personagens principais, em companhia da Alma, da qual elas traduzem o conflito interior.

A conversação gira em torno da união mística da Alma com Deus, o assunto do livro é a aniquilação da alma, isto é, a morte da vontade própria e de tudo que se relaciona ao seu eu.

Marguerite Porete formula o itinerário espiritual da alma, delineando sete estágios pelos quais a alma deve passar para se transformar no espelho cristalino de Deus, os quais culminam na aniquilação do eu e na vida clarificada em Deus e por Deus.

Nessa aniquilação ontológica, a alma cai na certeza de nada saber e nada querer, de viver sem um porquê.

Nesse abismo de humildade, a alma verdadeiramente aniquilada, nobre e livre perde sua própria natureza enquanto algo criado por meio da dádiva do amor divino, retornando ao abismo do ser primordial, onde não há mediação ou diferença entre ela e Deus.

O Espelho luta continuamente por se negar a si mesmo. Escrito para as secretas almas livres que realmente não precisam dele, é ao mesmo tempo necessário e impossível de ser escrito.

Num dado momento, a Alma que fez o livro ser escrito se desculpa frente às damas nunca conhecidas (as outras almas aniquiladas) por tê-lo feito muito longo em palavras, já que ele parece curto e breve para as almas que, por meio do amor, residem no nada.

Tendo alcançado o reino do amor, onde o “coração” é “mais livre e mais feliz” em meio à paz verdadeira e ao abandono de si, Marguerite Porete renuncia às palavras. Ainda que anuncie a necessidade do silêncio, a autora continua, agora usando a poesia em vez da prosa, tentando expressar o inexprimível na canção final da alma.

Em seu chamado central à liberdade e à pobreza da alma, Marguerite Porete dispensa a exigência de virtudes, perfeição, obras ascéticas e místicas e de qualquer mediação entre a alma e Deus.

A Igreja maior de Porete, ou a Igreja do Espírito, é a reunião ideal das almas livres que amam divinamente e realizaram a theosis, estando, portanto, unidas a Deus. Essa Igreja maior não só nutre e ensina, mas sobrepuja e julga a Igreja menor, a assembléia cristã na terra.

Em nenhum momento, Porete se deixou intimidar pela santa Igreja, a pequena. Manteve-se até o fim, tal como as almas aniquiladas, fiel aos ensinamentos de Dama Amor e por isso foi queimada na fogueira pela Inquisição.

Marguerite diz que a alma completamente unida à vontade divina faz as coisas de acordo com o amor e a vontade de Deus.




A tradição sufi no século XIII

O sufismo é reconhecido como a espiritualidade ou mística da religião islâmica.

Abarca o esoterismo e a iniciação, hagīqa e tarīqa, a doutrina e o método.

Em árabe, o sufismo é chamado de tasawwuf, palavra que se origina de sūf (lã), numa referência à vestimenta de lã usada pelos primeiros sufis.

A palavra sufi era também ligada a sūfiya (purificado ou escolhido como amigo por Deus). Estritamente falando, a palavra árabe sūfi, como o sâncrito yogi, refere-se apenas ao indivíduo que atingiu o objetivo, sendo também aplicada, por extensão, aos iniciados que ainda estão avançando pelo caminho místico. A própria palavra “iniciado” indica que, para embarcar no caminho espiritual, há um pré-requisito, um rito especial de iniciação.

No sufismo, o órgão que permite o conhecimento de Deus não é o cérebro, mas o coração.

O coração é o órgão que produz o verdadeiro conhecimento e a intuição abrangente, não o órgão de carne situado do lado esquerdo do peito, embora de forma inexplicada tenha alguma relação com ele. Trata-se de um órgão "psico- espiritual" que opera num “corpo sutil”.

Para o sufismo, o coração é um dos centros da fisiologia mística, pois é o "olho" que permite a visão da forma de Deus. "Quando se erguem os véus, o coração do gnóstico é como um espelho no qual a forma microscópica do Ser Divino é refletida."

O caminho real do sufismo é um processo de transformação interna no qual os poderes da alma se voltam para Deus. Esse processo acrescenta exercícios devocionais e espirituais às práticas estritas da shar'īah.

O mais importante deles é a lembrança (dhikr) de Deus, ordenada pelo Corão.

O verdadeiro meio de lembrar-se de Deus é a menção de seus Nomes.

O Nome é considerado uma manifestação direta do divino ao nível humano. Por meio de um processo gradual de transformação, o Nome preenche a mente e a consciência, não deixando espaço para mais nada que não seja Deus.

O foco constante em Deus acaba por conduzir à meta do caminho sufi, que é a "união" com Deus, à completa realização da perfeição humana ou à concretização da imagem divina a partir da qual os seres humanos foram criados. Uma vez que a perfeição seja alcançada, a separação entre divino e humano é superada, ao menos a partir de um certo ponto de vista.

O eu ilusório é negado, e somente Deus é afirmado.

Essa meta, a união com Deus, é geralmente concebida em termos de uma crescente purificação do coração e da obtenção das várias virtudes espirituais que conduzem ao estado de aniquilação (fanā’) e subsistência (baqā) no divino.

A doutrina sufi não afirma que Deus é o mundo e mas sim que o mundo, à medida que possui alguma realidade, não pode ser outro mas Deus.

Para Ibn'Arabī, todo fenômeno implica um numen ou, em termos islâmicos, todo exterior (ẓāihr) deve ter um interior (bātin).

Ibn'Arabī, nasceu em Murcia, no sudeste da Espanha, ao que tudo indica na noite de segunda-feira, 17 de ramadã de 560, que equivaleria ao dia 27 ou 28 de julho de 1165 da era cristã, sua vida incomum foi marcada pelas preces, pela invocação, pela contemplação, por visitas a vários sufis e também pela visões teofânicas do mundo espiritual, nas quais a hierarquia invisível lhe foi revelada.

O episódio mais precoce de sua vida sobre o qual existe registro foi uma doença que o acometeu por volta dos doze anos e que parece ter prenunciado sua vocação mística. O relato de sua doença, feito por ele mesmo, possui uma curiosa analogia com vários relatos de "doenças iniciáticas", espécie de morte e renascimento, que acometem xamãs e místicos por todo o mundo e que normalmente precedem experiências espirituais visionárias.

O termo fath ou iluminação, em seu sentido etimológico, significa "abertura", mas é utilizado no vocabulário técnico do sufismo para indicar a abertura espiritual, ou iluminação,que marca a aquisição de uma "estação" mais elevada na jornada espiritual do indivíduo e que, normalmente, é atingida após longo período de treinamento iniciático. O próprio Ibn'Arabī adverte contra os perigos de uma fath prematura, reconhecendo que somente em casos excepcionais a iluminação precede o treinamento iniciático.

Em seu caso, parece ter acontecido o que é conhecido como jadhba, experiência de transcendência de si mesmo mediante um êxtase, e não o que é conhecido como sulūk, avanço metódico, passo a passo, pelo Caminho que conduz a Deus.

Para Ibn’Arabī, a renúncia total era a forma de realizar a “servidão pura” (‘ubūdiyya al-mahda), a qual exige que o walī, ou santo, abandone todos os direitos e possessões que possam manter viva nele a ilusão de soberania (rubūbiyya), pois aquele que não possui nada não é possuído por nada, exceto por Deus.

Ibn'Arabī recebia a inspiração para seus livros normalmente acompanhada de visões.



Considerações sobre a influência do neoplatonismo

Tanto a corrente da tradição mística cristã quanto a mística islâmica, o sufismo, receberam a influência dos mundos grego e helenístico, em especial do neoplatonismo, estabelecido como uma escola de pensamento por Plotino, no século II d.c., onde tudo procede do Uno, e é conseqüentemente possível um “retorno” ao Princípio, que resulta numa reunificação plena e total e que está ao alcance do ser humano ainda em vida, na união mística e no êxtase.

O ser humano pode desprender-se do mundo externo e, reentrando em si mesmo, pode tomar posse do seu eu verdadeiro que é a alma. Como a alma deriva do Espírito e o Espírito procede do Uno, o ser humano pode, portanto, retornar ao Uno.

O Uno plotiniano não tem predicados , é algo para “ além do ser” e além do conhecimento. O Uno em Plotino, sendo livre, não emana nem por um ato da vontade, nem impelido pela necessidade de sua própria natureza, “ele é como quis ser”, ou seja, projeta na existência o ser, “o que” ele quis ser.
Em Plotino o Amor erótico possui um amplitude cósmica e transcendental pois todo o universo é também essencialmente erótico no sentido de estar marcado por um esforço apaixonado para retornar à Origem, e o papel do Amor no retorno da alma à sua origem é um dos principais temas plotinianos.

Para Plotino, nós temos uma parte específica da alma que não desceu e portanto, está sempre “lá”, em seu lar natal, por isso: “Quando a alma começa novamente a subir, ela não vai para algo estranho, mas para seu próprio eu; assim distanciada, não está em nada, mas em si mesma; reunida, não está mais na ordem do ser; está no Supremo.”

Para ele, o conhecimento do eu é também conhecimento para o eu, no sentido de ser um procedimento que é instrumental na tarefa de ascensão, do movimento de elevação e de interiorização, que constitui o nosso verdadeiro destino e a realização de nosso eu verdadeiro.

Plotino advoga uma jornada de progressivo crescimento intelectual e purificação, na qual a alma deve gradualmente ultrapassar as virtudes inferiores e se distanciar de tudo que é “estranho” e mundano.

Para Plotino, todos temos a parte da alma que é livre e não “desceu”, que permanece no Supremo, assim como todos temos também, naturalmente, a aptidão para sabermos o que é preciso saber para a ascensão, embora a tenhamos em graus variáveis, o que explicaria a facilidade maior que alguns têm em realizá-la.

Porém, para Plotino, a possibilidade da “união” com o Uno é um evento natural, não uma graça sobrenatural.

Essa “união” tem suas raízes naturais na identidade potencial da alma com seu fundamento divino, e na lei geral de que todas as coisas tendem a reverter à sua origem.

Trata-se da atualização de algo que estava apenas esperando para ser realizado, os requisitos dessa jornada incluem uma outra forma de “ver”, uma forma de noesis intuitiva, não-discursiva, não-racional, que ultrapassa o intelecto.

A ascensão plotiniana para o verdadeiro eu é um progressivo abandono da multiplicidade e de qualquer forma de dualidade, num esforço continuado para nos tornarmos mais e mais semelhantes ao Uno pelo qual ansiamos.


O neoplatonismo e a mística islâmica

Para os muçulmanos, Platão, Aristóteles e Plotino são parte da tradição islâmica, da mesma maneira que Abraão é visto como um profeta do Islã. Os muçulmanos apreciaram o profundo pathos religioso e místico da visão de mundo neoplatônica e a preocupação de Plotino com o conceito de unidade e transcendência do Ser Supremo.

Quando os místicos islâmicos falam sobre o Uno, sobre a emanação de todas as coisas a partir dele e sobre seu retorno a ele, estão expressando o resultado do “desvelar” a eles propiciado, fruto do trabalho espiritual ao qual se dedicaram. Eles não “aprenderam” essas coisas com neoplatônicos, mas provavelmente encontraram nos esquemas conceituais neoplatônicos uma confirmação de suas próprias visões e uma formulação adequada do conhecimento que alcançaram em sua prática espiritual.

O neoplatonismo e a tradição mística cristã

Pouco se sabe sobre esse escritor monástico que viveu na Síria por volta do ano 500 e adotou o nome de Dionísio, o Aeropagita.

O centro teológico de sua obra é a exploração de como o Deus incognoscível se manifesta na criação para que todas as coisas possam atingir a união com a Fonte imanifesta.

Em seu programa cósmico, o Eros divino se refrata em múltiplas teofanias no universo que, por sua vez, eroticamente, se esforça para ultrapassar sua multiplicidade e retornar à unidade simples.

Orígenes tambem afirmava que Deus é Eros.

Os místicos cristãos insistiam que a divindade da alma não pertencia a ela por natureza, era uma dádiva de Deus.

Em suas descrições do retorno da alma a Deus, davam ênfase maior à necessidade da intervenção divina, da dádiva ou graça, do que os autores pagãos.

O mesmo procedimento é encontrado no sufismo, como dimensão mística de uma religião revelada.

Outro ponto importante entre os místicos cristãos foi situar o Amor, concebido como eros-ágape, no centro de seu pensamento.

Marguerite Porete introduz o tema da deificação (theosis): a alma não está simplesmente destinada a se tornar semelhante a Deus, mas “a se tornar o que Deus é”. Trata-se de uma reinterpretação mais radical da tradição agostiniana do retorno da alma à sua realidade original em Deus, que então prevalecia.

Marguerite Porete diz que ao aniquilar tudo que é criatural e, portanto, separado de Deus, é possível recobrar em Deus e, por Sua graça, o ser verdadeiro, “incriado”, não separado.

Essa identificação total à vontade divina não é alcançada somente pelo esforço natural do místico e pela prática do “nada querer”: é dada por Deus-Amor num momento súbito, como uma centelha.

Para Marguerite Porete, Deus não só é o “amante, amado, amor”, mas também o único Ser verdadeiro, pois a criatura não é, exceto através dele.

Para ela, os dois pólos do Uno, ambos envolvendo momentos positivos e negativos, não podem ser separados, mas estão indissoluvelmente ligados numa coincidência de opostos.

Estes temas – a dialética de transcendência e imanência divinas, a teologia apofática e mística, a afirmação de Deus como único Existente verdadeiro, a visão teofânica do cosmos, o Amor como categoria central ou princípio cósmico criador por excelência – vão estar presentes nas obras de Marguerite Porete e de Ibn’Arabī, marcados pela concepção da aniquilação como via para a verdadeira existência em Deus.



A Mística do Amor

Tanto na mística cristã quanto no sufismo, a noção do amor tem um papel preponderante no caminho e na compreensão da união mística.

Marguerite Porete, insiste na superioridade do amor e o faz numa linguagem por vezes erótica, influenciada pelas convenções do amor cortês da literatura do fim da Idade Média.

Para Marguerite Porete, o progresso real na direção dos estágios superiores da vida mística só começa quando a alma consegue “eliminar a razão com o amor”.

Em sua obra, Amor é associado a uma forma de conhecimento superior que ela chama de Entendimento de Amor, algo que se assemelha à inteligencia amorosa, uma interpenetração do amor e do conhecimento num plano mais elevado da vida mística ou o Amor como forma de conhecimento.

Para mostrar a importância da linguagem do amor, o Espelho apresenta o diálogo de duas figuras alegóricas, Amor e Razão. Algumas outras personificações são colocadas como diferentes facetas do amor divino (Verdade, Luz da Fé, Cortesia, Justiça, Trindade etc.) e como discípulas da Razão (Tentação, Ansiedade, Santa Igreja – a pequena). A voz da Razão é unívoca, de acordo com o sentido literal que defende, enquanto a figura do Amor, encarnando a divindade, mostra a riqueza e a complexidade que refletem o divino.

A Razão nunca é exaltada no Espelho, mas, pelo contrário, é denegrida e humilhada, vítima de todo tipo de ironia. Ela, contudo, encarna a negação da verdade, a insuficiência humana e sua impossibilidade de compreender Deus senão com a ajuda do amor divino.

Na estrutura geral do Islão, fundamentada na doutrina da Unidade (al-tawh+īd), predispõe a uma orientação intelectual e nela, a primazia do conhecimento é indiscutível.
Contudo, o sufismo é de maneira geral a dimensão do Islã conhecida como a religião do Amor.

Para os sufis, o conhecimento de Deus sempre engendra o amor, e o amor pressupõe um conhecimento, ainda que indireto, do objeto amado.

No sufismo, as últimas estações da jornada mística são o amor e a gnose, mahabba e ma’rifat. Embora essas duas vias sejam por vezes consideradas como complementares, em certos casos o amor é visto como superior e em outros a gnose possui esse privilégio. A ma’rifat é o conhecimento que não é alcançado por meio da razão discursiva. Trata-se de uma compreensão mais elevada dos mistérios divinos.

Uma das modalidades da mística sufi e de sua linguagem de união resulta da interação com a poesia amorosa, que é um veículo para a expressão da união mística. Assim como as béguines fizeram posteriormente em relação à tradição cortês, os sufis adaptaram e transformaram o tema do amor e todos os motivos, convenções e imagens da poesia amorosa clássica.

Ibn’Arabī considera o amor como a estação suprema da alma e a ele subordina qualquer outra perfeição humana possível. O conhecimento, ou gnose, não é uma estação, pois em sua perfeição já não tem nada de humano, uma vez que se identifica com seu objeto que é a Realidade Divina.

Esse amor a que se refere Ibn’Arabī é o amor integral, a completa absorção da vontade humana pela atração divina – o estado de “louco de amor”.

A mística do amor, tal como pode ser compreendida em Marguerite Porete e em Ibn’Arabī, e onde cada um deles construiu sua noção sobre o amor e a aniquilação como via para a união mística, nos mostra a profunda experiência do amor, que implica o êxtase e a dissolução do eu no insondável.

Deus e a/o amada/o não são outra coisa além de maneiras intransferíveis, mas equiparáveis, de registrar a emoção partilhada do inconcebível que resulta na aniquilação.

Esta noção de Amor de ambos os autores vem da tradição medieval do Amor Cortês e das trupes de Trovadores.

Nela, o amor era encarado como uma arte e tinha suas regras: os amantes se submetiam a Eros e nesse “serviço” se consumiam; já no mito do amor cortês e na poesia dos trovadores, encontra-se a exaltação do amor, do amor infeliz, perpetuamente insatisfeito.

Notas sobre a teoria do amor profano entre os árabes

O ideal cavalheiresco que abarca as atitudes varonis e o culto à mulher tem, no Islão, um caráter muito mais amplo que no cristianismo, além de antecedentes mais antigos, que derivam do exemplo pré-islâmico do cavaleiro e guerreiro do deserto.

Segundo esse ideal, a atitude cavalheiresca frente à mulher tem origem islâmica derivada tanto dos cavaleiros do deserto, que além de guerreiros valentes eram também poetas e freqüentemente grandes amantes, como do valor que de maneira geral o Islão atribui à relação entre o homem e a mulher.

A noçao do Amor árabe está ligada á noção do Belo e Ibn Hazm define o Amor como a reunião de partes de almas que foram separadas na criação.

O amor seria normalmente provocado por uma forma bela, “pois a alma é bela e deseja apaixonadamente algo belo, e se inclina na direção de imagens perfeitas”.
O verdadeiro amor não ignoraria o aspecto físico, mas a união de almas é infinitamente mais refinada que a dos corpos.

A chama do Amor, é uma doença sem cura, que consome a própria vida do amante.

O culto à dama e a idéia da morte por amor, do amor que por essência permanece insatisfeito e que se exprime como aspiração à morte, são traços que parecem constituir um ponto comum entre o amor árabe e o amor provençal. O amor-morte dos árabes parece corresponder ao tema da morte-por-desejo dos trovadores.

Ansiando constantemente por seu amor distante, a fin amant béguine tem apenas encontros breves e furtivos com ele, os quais constituem seus momentos de êxtase. Esses momentos eram qualificados como ravissement, termo que originariamente significava estupro mas, nesse período, se referia tanto à exaltação espiritual quanto ao prazer sexual.

Na mística cortês, em seu anseio pelo Amor incriado, a alma não deseja mais nada finito.

O caráter polivalente do “eu amante” e do amado divino

Para a fin amant béguine, mesmo sabendo da distância entre Criador e criatura, seu amor é tão grande que, em certos momentos de êxtase, ela esquece a diferença entre eles e se percebe uma igual. Quando o amado está ausente, ela anseia por ele e o busca em suas preces, mas sua atitude básica é a de espera, ainda que não se trate de uma espera passiva. Antes de tudo ela busca a felicidade que resulta da crescente intimidade alcançada no “casamento espiritual”.

O “eu cortês”, por outro lado, pode ser expresso através do fin amant masculino tradicional. O fin amant, tal como os trovadores expressam, vive um amor não-realizado e atormentado pelo desejo. O fin amant, ao contrário da “noiva”, não espera simplesmente por sua amada, mas a corteja, oferecendo seus serviços, em geral dolorosos, humilhantes e prolongados.

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