O Xamanismo primitivo e moderno
Actualmente, o Xamanismo tem vindo a ser reduzido a uma
técnica psicológica de auto ajuda, em detrimento da sua essência
verdadeiramente iniciática.
O Xamanismo primitivo
O Xamanismo constitui a mais antiga forma de espiritualidade
da humanidade.
Não se baseia em seitas , igrejas , lideres ou gurus, é uma
experiência mágico-religiosa de contornos muito individualistas.
O Xamã tradicional era escolhido pelos Deuses ancestrais,
não pela comunidade que serve, que apenas o confirma e aceita.
Ao nascer certas caracteristicas particulares
indiciam essa pessoa como futuro xamã e isso será confirmado mais tarde pela
comunidade.
Ninguém é xamã por decisão pessoal ou livre vontade, o seu
destino é imposto pelas circunstâncias, quer se queira quer não.
Quem foi ‘escolhido’ pelos Ancestrais com visões ( parte
esotérica) , continua a sua aprendizagem com um xamã mais avançado quanto aos
ritos e tradições exotéricos, tendo no meio a experiência imprescindivel do
Xamanismo : a simulação do suplicio e desmembramento do seu corpo.
O desmembramento constituia a passagem do homem normal para
o homem Primordial, uma reminiscência de que o sagrado é , por natureza,
transgressão e violência transfigurante, que só se revela pelo sacrificio de si
próprio.
Existem muitas facetas do xamã primitivo, desde curandeiro
fisico ( com base em plantas, medicina natural) e espiritual (aquele que
restaura o equilibrio perdido da alma, aquele que junta as partes perdidas da
alma), a guia de almas pós morte (psicopompo).
Há quem distinga também entre xamã negro e branco.
Xamã negro é aquele nasceu para isso, tem capacidades
psiquicas inatas para ter visões e êxtases e fazer a ponte entre os mundos dos
vivos e dos mortos.
Xamã branco aprende a sê-lo por instrução e aprendizagem
oral.
Tende a comunicar não por visões e êxtases mas por rituais e invocações.
Tem o papel que mais tarde passou para os sacerdotes das religiões, de mediador
ritual já incapaz de alcançar estados alterados de consciencia como os êxtases
visionários e por isso usando de outros métodos como a imaginação associativa activa
e a visualização criativa para essa comunicação e mediação ritual.
Para o xamã negro a Iniciação (ou revulsão radical da
consciência) é sempre violenta, pois para eles só com ruptura violenta o ego
pode ser vencido.
O Xamanismo original criou técnicas altamente sofisticadas de
matar o ego, pois segundo eles só a violencia desaloja o ego da sua condição de
ignorância e finitude.
A destruição do ego é comparável ao da destruição da
crisálida para emergir a borboleta.
Para o xamã branco da era moderna, do xamanismo new
age, esta violência deixa de existir,
sendo substituida por técnicas imaginativas de não-ruptura.
Enquanto o xamã negro ‘vê’ através do véu da realidade para
outros planos, o xamã branco se parece com o sacerdote já cego para as
realidades supranaturais e que precisa do mito para viver pelos olhos da fé o
que já não consegue ver pelos olhos da alma.
O Xamanismo moderno
Hoje em dia, o que se ensina nos workshops xamanicos são
técnicas meramente de devaneio e imaginação criativa longe desta ruptura com o
ego, e das comunicações em êxtase-transe com os planos espirituais.
O praticante moderno de xamanismo altera a sua consciência
pela fantasia-imaginação criativa (ajudado pelo ritmo do tambor) mas sempre na
esfera do corpo fisico, daí a importância da cura no xamanismo moderno, e nunca
saindo do corpo, vive nas forças primárias do ego, confundindo os conteúdos de
sua imaginação primária e os seus desejos inconscientes com forças autónomas e
transcendentes vindas de fora de si mesmo.
Assemelha-se a um escravo que sonha
ser livre, mas que na realidade não o é.
O praticante xamã primitivo, ao invés, transfere a sua
consciência, via práticas rituais rigorosas, para fora de si mesmo, para fora
da esfera corporal e do seu ego e integra-se na força cósmica universal.
Ele
sai do seu corpo fisico, ele ‘voa’ para a última Realidade donde regressa com
Sabedoria e Conhecimento mais para a sua própria evolução individual que para a
comunidade (para essa existe o xamã curandeiro ou o xamã do colectivo).
Não será de certeza um fim de semana a ouvir a batida
monótona de um tambor que despertará o praticante moderno para essa sua
vertente mais espiritual, só a ruptura da morte o poderia despertar, ou então,
uma qualquer ‘outra morte’.
Através das leituras de livros de auto ajuda e
espiritulidade new age criou-se a ideia que o acesso aos recantos mais
profundos da nosssa Alma se pode fazer comodamente sentado num sofá a fazer
visualizações ao som de batidas de tambor e de cascatas de agua gravadas em cd.
Infelizmente isso não é possível, pois como o xamã primitivo
sabia, isso só se consegue desencandeando uma morte transitória mas verdadeira
do corpo, em plena consciência, vivendo a nossa morte final, que nos faz
deslocar o principio consciente da nossa personalidade para as regiões do mundo
suprasensível.
O homem moderno tem um bloqueio ( o Véu, a Nuvem
,etc..) profundo e uma ideologia
subconsciente anti-transe que o impede de vivenciar os niveis mais profundos do
xamanismo, assim como de vivenciar a espiritualidade religiosa mais esotérica
que lhe é equivalente, como por exemplo os êxtases misticos dos grandes
místicos cristãos, sufis ou tibetanos.
Esse bloqueio faz-nos esquecer uma grande verdade, que somos
Deuses em exilio e meros serviçais neste mundo, serviçais que em dias distantes
derrubaram o Rei ( pensaram, mal, que podiam viver sem Ele ) e o exilaram para
o fundo sombrio de si mesmos.
Esquecidos deste golpe palaciano e julgando-nos
mestres de nós mesmo, transformámo-nos em seres sem alma.
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