Bases cerebrais-fisiológicas e contextos culturais no
Xamanismo
Uso de plantas aluginogénias no Xamanismo
O xamã usa técnicas de exaustão fisica (jejuns prolongados,
danças prolongadas e ritmadas com som de tambor, privações de sono) para
quebrar a barreira consciente e entrar em estado alterado de transe para
comunicar com o Outro lado.
Estas técnicas usam o mecanismo fisiológico de aumentar a
produção de adrenalina, diminuir os niveis de glucose no sangue e obrigar o
cérebro a produzir endorfinas.
São estas endorfinas que permitem a viagem
xamanica em estado alterado de consciência.
O efeito das endorfinas produzidas pelo corpo assemelha-se
ao efeito do uso de plantas alucinogénias (bebendo ayahuasca ou comendo
cogumelos amanita).
A Unidade Cósmica de que falam os grandes misticos e xamãs, tem
um paralelismo fisiológico perto da zona das ondas cerebrais Teta (estado
sonho) e Delta (estado mais profundo de sono) que, de certa forma, desbloqueiam
o Véu que nos separa do Divino, e nos abrem as portas da intuição cósmica e da verdadeira
Realidade.
O xamã consegue este desbloqueio com técnicas de exaustão
fisica, complementadas ou não, por alucinogénios mas tudo isto inserido no
caldeirão-contexto cultural onde nasceu e foi criado o xamã, sem esse contexto
não havia xamã primitivo.
Quem hoje em dia, apenas usa as plantas alucinogénicas para
obter esses estados de transe, será que consegue obter resultados espirituais
estáveis e não meramente temporários?
A ideia moderna de utilizar os alucinogénios para, sem mais
perdas de tempo, e com rapidez, chegar a Deus e à esfera do divino é uma mera
ilusão !!!
Porquê ?
Porque se esquece o
contexto espiritual e cultural !
Esquece-se que o seu uso tem de ser
contextualizado ritualmente, sem uma atitude e um contexto religioso na
preparação do alucinogénio não é possivel uma experiência mistica e extática.
Será que se um descrente, um ateu sem nenhuma base espiritual,
consumir alucinogénios, irá modificar a sua vida a partir daí ou terá apenas uma
experiencia inesquecivel de luzes-paz-fogos de artificio para contar aos amigos
??
A estabilidade e crescimento espiritual só se consegue
quando existe uma fusão entre os estados alterados de consciência e o próprio
substracto das crenças que cada pessoa tem dentro de si, quem nasce num
contexto cristão, budista, islamico, de que vale obter êxtases com
aluginogénicos se o que tem dentro de si nada tem a ver com essa experiência
extra-sensorial, se a sua ‘espiritualidade’ interior não ‘condiz’ com esses
estados de transe, de que vale a experiência senão para se dizer aos amigos que
se ‘viu’ umas luzes ‘especias’ e se esteve ‘no céu e em paz’ por ‘uns momentos ‘ ?
Os alucinogénios usados sem contexto apenas desestruturam e
idiotizam, quem se deita numa tenda depois de os consumir, sem mais, à espera da chegada dos Deuses, o mais provável
é que seja visitado por ‘outras’ entidades com intenções menos ‘nobres’...muitas
vezes à custa da sua integridade mental !.
No xamanismo primitivo quando eram usadas substancias
alucinogénias, esse consumo era sempre precedido de rituais mágico-religiosos
preparatórios, na maioria das vezes, dolorosos, pois envolviam longos periodos
de isolamento, jejuns, abstenção sexual, privação sensorial, auto flagelação e
exposição ao frio e calor extremos.
O uso de alucinogénios no xamanismo primitivo necessita,
pois, de um contexto honestamente espiritual para libertarem todo o seu potencial
sacramental.
É o contexto religioso em que se consome a planta ou o fungo que a
torna, um verdadeiro ‘portador de Deus’, caso contrário será um mero
psicotrópico recreativo.
Aqui não havia lugar para a vaidade narcisista e a
curiosidade fútil do homem moderno para com o consumo de alucinogénios, ‘alcançar Deus’ depressa....sem a necessária
dor e morte interior do xamã primitivo, tipo
fast food espiritual.
O homem ocidental moderno vive num mundo sem alma e sem
religiosidade, espiritualmente insatisfatório e angustia-se e anseia por algo
mas só encontra no ’mercado’ aspectos superficiais como a moral e a crença das
religiões oficiais e seitas de todo o tipo, os livros que oferecem todas as panaceias
de revolução espiritual como o tema agora muito em voga da auto ajuda, as
multiplas práticas pseudo videntes e espiritas, e o xamanismo urbano new age
aprendido em workshops de fim de semana, em tudo isto o homem moderno, além de
perder o seu dinheiro, pode em alguns casos, perder ou piorar a sua estabilidade
mental que já não estava bem equilibrada antes.
Mas são sinais dos tempos !
Qualquer prática espiritual tem um esqueleto base que vem da
tradição, ou da genética do individuo, mas se esse esqueleto não é preenchido com
a ‘carne’ dos mitos pessoais subconscientes que cada um de nós produz e tem
dentro, essa prática não conduz a resultados significativos e permanentes por
não terem sido implantados no campo da vida da pessoa e a transformarem.
O fim
da prática é e sempre será a Transformação interior do homem.
As imagens internas criadas em transe êxtatico são criadas
primeiro pelo nosso cérebro e formatadas a partir do fundo cultural
insconsciente da cada pessoa (as crenças e rituais da comunidade fornecem
material vivo ao cérebro) e são a fisiologia do cérebro e o contexto
subconsciente da cultura onde a pessoa foi criada que dão corpo à imaginação
criativa do processo extático xamânico.
O cérebro processa o transe com aquilo que nós temos
armazenado no nosso insconsciente pessoal e não com aquilo que desejamos.
Sem uma profunda maturidade espiritual interior não se pode
avançar para processos de auto conhecimento, xamanicos ou outros.
Era impensável para o xamã tradicional
pretender curar alguém sem ele próprio ter estado no limite fisico da morte e
ter dela saido integralmente curado.
Para haver a fusão necessária, como acontecia no xamã
tradicional, era preciso que as crenças espirituais interiorizadas na pessoa
fossem metabolizadas (trabalhadas) num processo de transformação pelos efeitos
da planta psicotrópica e aí sim, havia uma ‘cumplicidade’ de coisas semelhantes
e originaria uma alteração psicológica e espiritual permanente.
Essa jornada do xamã tradicional para o mundo dos espiritos
não acontece no vazio, acontece num contexto, num modelo de mundo panteista,
animista e mágico, intrinsecamente inscrito na alma nativa.
Havia então uma
fusão entre o fora e o dentro, que permitia essa estabilidade permanente na
comunicação entre planos, mundos diferentes.
Hoje em dia, o dentro e o fora do homem moderno nada têm a
ver um com o outro e daí a angustia permanente do homem moderno e a sua busca
incessante por uma ‘solução’ para a sua crise espiritual, desde seitas,
igrejas, workshops auto ajuda, new age paganismo e xamanismo, etc...
Hoje em dia, nascemos e morremos sem percebermos que estamos
perpetuamente num estado de auto-esquecimento, a dormir.
Nesse sono nos
demitimos do nosso livre arbitrio, e da nossa autoconsciência, aceitando de
forma vegetativa a crença na redenção trazida pelas religiões de massas e na
iluminação racional trazida pelas iniciações das sociedades de mistérios.
São
muito raros os casos em que a religião e o processo iniciático não sejam mais
que um astuto processo de alienação, criado pelo nosso próprio eu para nos
exonerarmos do trabalho de autotransformação.
A civilização judaico-cristã fixou a consciência do homem no
corpo mortal e limitada pelo espaço e tempo fisicos, ao contrário das
sociedades animistas onde a consciência era função da alma e por isso era
fluida e livre de sair do corpo, uma
vive no tempo, a outra vivia na intemporalidade.
A civilização judaico-cristã, desfez o sagrado para criar
pelo dogma o religioso, e esse religioso é a marca do ausente que é sentido
como uma ferida aberta donde jorra o desepero e a solidão do homem
moderno.
Ao contrário, no xamã primitivo, não existe solidão, pois
por toda a parte por onde caminha está sempre acompanhado pelo mais sagrado que
é a sua alma em comunhão com este mundo e com os ‘outros’ .
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