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segunda-feira, 25 de março de 2013

Contextos cerebrais-culturais-alucinogénios no Xamanismo



Bases cerebrais-fisiológicas e contextos culturais no Xamanismo

Uso de plantas aluginogénias no Xamanismo 


O xamã usa técnicas de exaustão fisica (jejuns prolongados, danças prolongadas e ritmadas com som de tambor, privações de sono) para quebrar a barreira consciente e entrar em estado alterado de transe para comunicar com o Outro lado.

Estas técnicas usam o mecanismo fisiológico de aumentar a produção de adrenalina, diminuir os niveis de glucose no sangue e obrigar o cérebro a produzir endorfinas. 

São estas endorfinas que permitem a viagem xamanica em estado alterado de consciência.

O efeito das endorfinas produzidas pelo corpo assemelha-se ao efeito do uso de plantas alucinogénias (bebendo ayahuasca ou comendo cogumelos amanita).      


A Unidade Cósmica de que falam os grandes misticos e xamãs, tem um paralelismo fisiológico perto da zona das ondas cerebrais Teta (estado sonho) e Delta (estado mais profundo de sono) que, de certa forma, desbloqueiam o Véu que nos separa do Divino, e nos abrem as portas da intuição cósmica e da verdadeira Realidade.    

O xamã consegue este desbloqueio com técnicas de exaustão fisica, complementadas ou não, por alucinogénios mas tudo isto inserido no caldeirão-contexto cultural onde nasceu e foi criado o xamã, sem esse contexto não havia xamã primitivo. 

Quem hoje em dia, apenas usa as plantas alucinogénicas para obter esses estados de transe, será que consegue obter resultados espirituais estáveis e não meramente temporários?
 
A ideia moderna de utilizar os alucinogénios para, sem mais perdas de tempo, e com rapidez, chegar a Deus e à esfera do divino é uma mera ilusão !!!  

Porquê ? 

Porque se esquece o contexto espiritual e cultural ! 

Esquece-se que o seu uso tem de ser contextualizado ritualmente, sem uma atitude e um contexto religioso na preparação do alucinogénio não é possivel uma experiência mistica e extática.  

Será que se um descrente, um ateu sem nenhuma base espiritual, consumir alucinogénios, irá modificar a sua vida a partir daí ou terá apenas uma experiencia inesquecivel de luzes-paz-fogos de artificio para contar aos amigos ??    



A estabilidade e crescimento espiritual só se consegue quando existe uma fusão entre os estados alterados de consciência e o próprio substracto das crenças que cada pessoa tem dentro de si, quem nasce num contexto cristão, budista, islamico, de que vale obter êxtases com aluginogénicos se o que tem dentro de si nada tem a ver com essa experiência extra-sensorial, se a sua ‘espiritualidade’ interior não ‘condiz’ com esses estados de transe, de que vale a experiência senão para se dizer aos amigos que se ‘viu’ umas luzes ‘especias’ e se esteve ‘no céu e em paz’  por ‘uns momentos ‘ ?

Os alucinogénios usados sem contexto apenas desestruturam e idiotizam, quem se deita numa tenda depois de os consumir, sem mais, à  espera da chegada dos Deuses, o mais provável é que seja visitado por ‘outras’ entidades com intenções menos ‘nobres’...muitas vezes à custa da sua integridade mental !.        

No xamanismo primitivo quando eram usadas substancias alucinogénias, esse consumo era sempre precedido de rituais mágico-religiosos preparatórios, na maioria das vezes, dolorosos, pois envolviam longos periodos de isolamento, jejuns, abstenção sexual, privação sensorial, auto flagelação e exposição ao frio e calor extremos. 


O uso de alucinogénios no xamanismo primitivo necessita, pois, de um contexto honestamente espiritual para libertarem todo o seu potencial sacramental. 

É o contexto religioso em que se consome a planta ou o fungo que a torna, um verdadeiro ‘portador de Deus’, caso contrário será um mero psicotrópico recreativo.    

Aqui não havia lugar para a vaidade narcisista e a curiosidade fútil do homem moderno para com o consumo de alucinogénios,  alcançar Deus’ depressa....sem a necessária dor e morte interior do xamã primitivo,  tipo fast food espiritual.




O homem ocidental moderno vive num mundo sem alma e sem religiosidade, espiritualmente insatisfatório e angustia-se e anseia por algo mas só encontra no ’mercado’ aspectos superficiais como a moral e a crença das religiões oficiais e seitas de todo o tipo, os livros que oferecem todas as panaceias de revolução espiritual como o tema agora muito em voga da auto ajuda, as multiplas práticas pseudo videntes e espiritas, e o xamanismo urbano new age aprendido em workshops de fim de semana, em tudo isto o homem moderno, além de perder o seu dinheiro, pode em alguns casos, perder ou piorar a sua estabilidade mental que já não estava bem equilibrada antes.     
Mas são sinais dos tempos !
      
Qualquer prática espiritual tem um esqueleto base que vem da tradição, ou da genética do individuo, mas se esse esqueleto não é preenchido com a ‘carne’ dos mitos pessoais subconscientes que cada um de nós produz e tem dentro,  essa prática não conduz a  resultados significativos e permanentes por não terem sido implantados no campo da vida da pessoa e a transformarem. 

O fim da prática é e sempre será a Transformação interior do homem.   

As imagens internas criadas em transe êxtatico são criadas primeiro pelo nosso cérebro e formatadas a partir do fundo cultural insconsciente da cada pessoa (as crenças e rituais da comunidade fornecem material vivo ao cérebro) e são a fisiologia do cérebro e o contexto subconsciente da cultura onde a pessoa foi criada que dão corpo à imaginação criativa do processo extático xamânico.    

O cérebro processa o transe com aquilo que nós temos armazenado no nosso insconsciente pessoal e não com aquilo que desejamos. 

Sem uma profunda maturidade espiritual interior não se pode avançar para processos de auto conhecimento, xamanicos ou outros.   

Era impensável para o xamã tradicional pretender curar alguém sem ele próprio ter estado no limite fisico da morte e ter dela saido integralmente curado.





Para haver a fusão necessária, como acontecia no xamã tradicional, era preciso que as crenças espirituais interiorizadas na pessoa fossem metabolizadas (trabalhadas) num processo de transformação pelos efeitos da planta psicotrópica e aí sim, havia uma ‘cumplicidade’ de coisas semelhantes e originaria uma alteração psicológica e espiritual permanente.

Essa jornada do xamã tradicional para o mundo dos espiritos não acontece no vazio, acontece num contexto, num modelo de mundo panteista, animista e mágico, intrinsecamente inscrito na alma nativa. 

Havia então uma fusão entre o fora e o dentro, que permitia essa estabilidade permanente na comunicação entre planos, mundos diferentes.   


Hoje em dia, o dentro e o fora do homem moderno nada têm a ver um com o outro e daí a angustia permanente do homem moderno e a sua busca incessante por uma ‘solução’ para a sua crise espiritual, desde seitas, igrejas, workshops auto ajuda, new age paganismo e xamanismo, etc...  

Hoje em dia, nascemos e morremos sem percebermos que estamos perpetuamente num estado de auto-esquecimento, a dormir. 

Nesse sono nos demitimos do nosso livre arbitrio, e da nossa autoconsciência, aceitando de forma vegetativa a crença na redenção trazida pelas religiões de massas e na iluminação racional trazida pelas iniciações das sociedades de mistérios. 

São muito raros os casos em que a religião e o processo iniciático não sejam mais que um astuto processo de alienação, criado pelo nosso próprio eu para nos exonerarmos do trabalho de autotransformação. 

A civilização judaico-cristã fixou a consciência do homem no corpo mortal e limitada pelo espaço e tempo fisicos, ao contrário das sociedades animistas onde a consciência era função da alma e por isso era fluida e livre de sair do corpo, uma vive no tempo, a outra vivia na intemporalidade.

A civilização judaico-cristã, desfez o sagrado para criar pelo dogma o religioso, e esse religioso é a marca do ausente que é sentido como uma ferida aberta donde jorra o desepero e a solidão do homem moderno.    

Ao contrário, no xamã primitivo, não existe solidão, pois por toda a parte por onde caminha está sempre acompanhado pelo mais sagrado que é a sua alma em comunhão com este mundo e com os ‘outros’ .

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