O Sonho no xamanismo
Para os xamãs o sonho é uma porta do mundo Superior ou
Celeste em alternativa ao transe ou ao estado visionário .
Todos os povos da Antiguidade, Egipto, Grécia, Meospotâmia,
tinham templos-santuários dedicados ao sonho, chamdos templos Incubatórios de
sonhos, como os Serápis e Esculápio, onde as pessoas vinham para receber em
sonhos as curas para suas doenças.
Mas não era qualquer doente que podia entrar, tinha de ser
‘chamado’ em sonhos, por vezes as pessoas passavam dias, meses á porta do
templo até terem a ‘autorização’ pelo sonho de que podiam entrar para receber a
mensagem.
Existem estelas onde está escrito : Sómente é ajudado, quem é
chamado’.
Quem recebesse em sonho essa permissão, cumpria os rituais preparatórios
locais (abluções na fonte sagrada, purificações, danças e canto, aplicação de
ungentos psicotrópicos e ofertas sacrificiais de animais) e só então podia
entrar no templo e lá dormir no chão da zona mais sagrada, onde estava a
estátua do Deus.
Em sonhos seria recebida a ‘receita’ para a cura pretendida
que tornava as pessoas doentes em saudáveis.
A versão iniciática e mistica destes templos era que a
função deles era, não a a cura fisica, mas a cura espiritual, quem aqui vinha
queria ser transformado por dentro, morrer para renascer, queria mudar de vida.
A Incubação significa pois, ter sido chamado em sonhos, ter
feito todas as práticas rituais prévias á entrada no templo para aí dormir e receber em sonho a mensagem ( seja
de cura fisica, ou de incio de uma transformação espiritual).
Os templos de incubação estavam quase sempre em locais
isolados, recônditos, selvagens, na natureza profunda e em geral, exigia um
grande esforço fisico de caminhar, de peregrinar até lá, a verdadeira incubação
começaria no esforço inicial para se libertar da letargia do mundo e se separar
da sociedade humana.
É a conhecida ‘jornada da alma’ para se conhecer.
Depois da dor fisica do caminho percorrido, o crente chegava
ao templo já numa ‘nuvem’ de sacralidade e fazia os devidos rituais que o
preparavam espiritualmente, que o induziam insconscientemente para uma mudança
de estado de consciência ao fazer o contacto em sonhos com a Divindade.
Em Portugal, julga-se que isto ocorria no Santuário
primitivo da Rocha da Mina, dedicado ao Deus da cura, Endovélico onde existe
uma cavidade passível de ser uma eventual câmara incubatória.
Uma reminiscência moderna são as romarias portuguesas onde
se come e dorme na floresta ou pinhal junto ao santuário.
O candidato a xamã só o é, depois de ter recebido ( ser
‘chamado’) essa ordem dos Espiritos
através dos sonhos.
Os sonhos lúcidos são os únicos sonhos que contam para o
xamã, onde o sonhador permanece totalmente consciente durante o acto de sonhar
e pode agir dentro dele com uma liberdade ainda maior do que aquela a que está
confinado na vida real.
Livre e consciente no sonho o xamã viaja à velocidade
da luz e com a liberdade dos ventos através dos mundos.
Costuma dividir-se os sonhos em 3 graus de importância : os sonhos do crepúsculo, que são os sonhos
kármicos e biográficos, restos da vida diária e profana ; os sonhos da meia
noite, que são influenciados pelos espiritos e resultantes da interferencia de
entidades não-humanas na esfera psiquica do sonhador e finalmente, os sonhos
proféticos da alvorada, que ocorrem antes do acordar e que revelam o futuro
imediato do sonhador.
Em geral considera-se que a maioria dos sonhos lúcidos
ocorre no romper da alvorada.
Como preparativos para ter um bom sonho lúcido, o xamã usava
várias técnicas, desde canções de poder, infusões de ervas sedativas, unguentos
psicotrópicos, e simbolos materiais como as pedras do sonho.
Exemplo de uma canção de poder para repetir até adormecer
aguardando por um sonho mensageiro :
No céu/ eu estou caminhando/ Um pássaro/ eu acompanho.
No céu/ eu estou caminhando/ Um pássaro/ eu acompanho.
As melhores pedras de sonho são as que os Espiritos
proporcionam ao crente quando as apanha ao acaso, num passeio na natureza e
nelas foca a sua intenção de ter um sonho lúcido revelador.
A Rectificação do sonho
Para um sonho ter valor concreto na vida do sonhador é
fundamental que ele se materialize de alguma forma, que seja objectivado, sem
isso, o sonho não completa por assim dizer, o seu ciclo natural.
O sonho é um processo de 2 vias, uma para dentro
pelo mergulho psiquico inconsciente no reino do sonho, outra para fora,
trazendo do ‘outro’ lado mensagens que se transformam em conhecimentos e
compreensão de processos espirituais mas também em objectos rituais, talismãs,
obras de arte, máscaras rituais ou em cura pessoal ou da comunidade.
Quem era curado numa incubação de sonhos tinha de agradecer
aos Deuses oferecendo uma dádiva, uma estela, que simbolizava essa
objectivação, essa materialização onírica.
Sem rectificação, uma incubação onírica de nada vale, pois
sendo o seu objectivo, o de mudar a vida da pessoa ou de uma comunidade, se
isso não acontece na prática, o seu valor perde-se num ritual fantasioso e de
mero devaneio.
Nas rectificações encontram-se as canções mágicas, os
talismãs de poder, os artefactos rituais que o xamã recebe por instruções em
sonhos e ao voltar as concretiza para seu uso doravante.
A rectificação ancora e liga a experiência incubatória do
sonho no campo material da nossa realidade empirica e permite que o poder
flutue entre dois mundos diferentes e que fundamentalmente exista equilibrio
entre estas 2 faces complementares da vida humana.
O sonho e a morte
O caminho da alma em sonhos é igual ao caminho depois da morte,
na verdade, quem morria, dormia e quem dormia, morria.
Alguns povos dizem que
quem tinha morrido estava a ‘dormir’.
Os primeiros momentos do sonho são a imagem dos momentos que
ocorrem na morte fisica.
Conseguir ter sonhos lúcidos, viver e ‘trabalhar’ conscientemente os sonhos
é antecipar a morte, compreendê-la, encará-la de frente e sobretudo não ter
medo dela, é saber o que se passa nessa hora dramática para o ser humano,
saber, em vida, se preparar para esse momento a partir da própria experiência e
trabalho com os próprios sonhos.
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