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segunda-feira, 25 de março de 2013

O Ego, a criança e a mitologia no Xamanismo



  
Caim e o assassinio do ego.


A única maneira de resolver a crise existencial do homem é matar (no sentido não de ’acabar com’ mas de ‘ter com rédeas bem controladas’) sem piedade o eu, esse pequeno núcleo da nossa consciencia que é, contudo, tão duro de vencer. 

Mas sem essa morte o ser humano não pode conhecer a grandeza do ser cósmico, Deus ou equivalente. 

O assassínio do ego, simbolizado na história biblica de Abel e Caim,  é a condição indispensável do arranque do processo alquimico de transmutação da consciência humana.    

  
Caim simboliza o ‘mortificatio’ alquimico, assassina o eu primitivo (Abel)  par dar origem ao novo Eu e que em contexto xâmanico simboliza as provas iniciáticas (de sofrimento e quase loucura) que passam os candidatos a xamã e que em contexto cristão são tão bem expressas na Noite Negra da Alma de S. João da Cruz.

Caim ao assassinar o condicionalismo do eu, permite que a consciência possa passar da realidade ilusória para a verdadeira Realidade cósmica e Una.   

A morte do ego simplesmente recria o processo de Criação, que nasce de um processo de separação do céu e da terra. 

Tudo nasce por separação, seja nas iniciações xamanicas ( os candidatos ficam separados longo tempo do mundo) seja na Alquimia pelo Nigredo.  



E foi na tradição xamanica pré-histórica que este processo de transformação espiritual do individuo nasceu na humanidade sempre com um caracter individualista e não colectivo integrado em seitas, igrejas, ou ordens secretas iniciáticas. 

Já Odin dizia: Sacrificado por mim mesmo a mim mesmo.

Nos Mistérios de Samotrácia a primeira pergunta ao candidato era se tinha morto algúem.

Era condição sine qua non que o Iniciado fosse um assassino, do seu ego.....  


Não é possivel a transmutação cognitiva do Iniciado senão pela morte da personalidade, do eu velho.

Só isso permite o despontar de sonhos e visões, de uma nova capacidade cognitiva e suprasensorial, em que o espaço e o tempo se autodestroem e se abre á liberdade de estar consciente da Unidade com o Universo visível e invisivel, de que falam os guerreiros extáticos celtas.    

Fernando Pessoa dava a entender isso mesmo quando dizia ‘que até mesmo pela porta de Satã se podia entrar no reino de Deus‘, ou seja, a transgressão, as ‘vias tortas’, o não-conformismo são meios de percepcionar a Realidade mais vasta que nos envolve, de nos despertar para uma outra percepção de nós próprios e do cosmos em que estamos integrados.      

Para os xamãs não havia intermediários entre eles e o Divino , pois sabiam bem que o homem tem já na sua alma essa função, tal como diz o livro de Job : ‘O Ruach de Deus está nas minhas narinas‘, Ruach-Alma é o Espirito de Deus que todos nós somos portadores, é uma função cognitiva do transcendente em nós, logo para os xamãs não havia necessidade dos intermediários actuais , igrejas, seitas , lideres ,etc.


Está na natureza do ser humano ser livre ouvinte de Deus.

 
O simbolo da criança no Xamanismo 


Tal como Jesus dizia , ‘vinde a mim as criancinhas que é delas o reino de Deus ‘ assim o xamã diz que ‘sem se tornar criança’ o candidato não pode ser iniciado e por isso, o candidato a xamã siberiano rasga suas roupas, dilacera seu corpo com facas, corre para a floresta e vive nu entre animais, como a criança-lobo mitológica, antes de inciar o seu Despertar. 

A criança é o simbolo de um ser  ‘aberto’ ao não racional, face ao ser fechado do homem moderno que só acredita no que vê. No xamanismo original não existem os papões com que os pais modernos intimidam as crianças a não sonhar ‘esquisito’ e se comportarem nos padrões sociais.

No xamanismo original, ao contrário, estimula-se o sonho e a transgressão social para ‘abrir’ a cabeça do candidato a uma outra Realidade.

E na verdade é na infància que se revela o futuro xamã, por um comportamento anti social, pelo gosto da solidão, introvertido, sonhador e visionário de formas, vultos e espiritos que só ele vê. 

Apenas em raros casos, o xamã emerge na idade adulta, seja em mudanças violentas de vida, em situações de quase morte, ou acontecimentos que subvertem o seu quadro de referências morais e religiosas e que podem fazer a pessoa decidir que tem de se entregar a um processo de transfiguração xamanica.      


  
O Xamanismo, precursor dos ritos iniciáticos da Antiguidade clássica.

Um dos principais rituais de preparação do xamã consistia em : escuridão, isolamento, privação dos sentidos, tortura pelos demónios, encontro com espiritos celestes guardiões e ascenção , e finalmente regresso ao mundo enriquecido por uma experiencia espiritual que o marcará por toda a vida.

Que é isto senão semelhante às mais diversas formas iniciáticas da antiguidade, como os Mistérios de Elêusis, de Deméter na Grécia?  

Basta ler a lenda do Purgatório de São Patrick na Irlanda, onde numa peregrinação agora cristã, os romeiros chegavam, jejuavam e rezavam durante 15 dias, e no fim eram desencorajados de continuar, mas se tivessem firme vontade de prosseguir eram metidos numa gruta por uma noite. 

Diz a lenda que nessa noite o romeiro caminhava na escuridão através de um túnel, para um recinto onde encontra quinze homems vestidos de branco que o advertem para regressar ao mundo dos vivos sob pena de ter de confrontar-se e ser torturado pelos demónios. 

Desse confronto com os demónios ele terá escapado por uma exigua ponte (‘as portas estreitas’ da Biblia) atravessando um abismo para um local onde é recebido pelos anjos e conduzido ao jardim de Eden.

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