Filhos de Deus ou Servos do mundo?
Segundo Jacob Boehme
PARTE 2
O demônio continua em seu próprio domínio ou principado e não, de forma alguma, naquele em que Deus o criou, mas no doloroso e angustiante nascimento da eternidade, no centro da natureza e propriedade da ira, na propriedade onde a dor, a angústia e as trevas têm início.
De fato, ele é o príncipe deste mundo, no primeiro princípio, no reino das trevas, no poço ou abismo.
Não no reino do sol, estrelas e elementos; ali ele não é príncipe nem senhor, só na parte irada, ou seja, na raiz do mal de todas as coisas; mesmo assim, ele não tem a liberdade de fazer o que quer com ela.
Há sempre algum bem em todas as coisas, que mantém o mal cativo e fechado em si; mas ele pode caminhar e comandar na parte má ou propriedade má , quando esta manifesta um desejo mau, unindo este desejo à fraqueza.
De fato, isto não pode ser feito pelas criaturas inanimadas; só o homem o pode fazer, ao trazer o centro de sua vontade com o desejo para fora do centro eterno, que é o campo do encantamento e da falsa magia.
A vontade do diabo também pode penetrar este campo, para onde o homem traz o desejo de sua alma, que também nasceu da natureza eterna.
Mas o demônio não tem extra poder sobre o tempo ou condição temporária, deste mundo, no fogo ele procede como que na turba (dano ou dor), em grandes temporais ou tempestades de trovões, relâmpagos e granidos; mas ele não pode direciona-los, pois ele não é mestre ou senhor, apenas servo.
Ora, Deus criou todas as coisas para e onde deveriam estar, os anjos para o céu e no céu; o homem para o paraíso e no paraíso.
Se portanto, o desejo da criatura deixa sua própria mãe, entra então numa vontade contrária, numa inimizade, passando a ser atormentada pela contrariedade de onde se encontra., consequentemente uma falsa vontade surge na boa vontade; esta penetra novamente o seu nada, ou seja, no fim da natureza e da criatura, deixando a criatura em seu próprio mal ou fraqueza, o que se passou com Lúcifer e Adão; não tivesse a vontade do amor de Deus encontrado Adão e por pura misericórdia penetrado novamente a humanidade ou a natureza humana, poderia não haver nenhuma boa vontade no homem.
Portanto, toda especulação ou questionamento com relação à vontade de Deus, não passa de coisa vã, a menos que a mente esteja convertida.
Enquanto a mente permanecer cativa no desejo próprio da vida terrestre, não poderá compreender o que é a vontade de Deus; a mente pesquisa, mas no eu, de um jeito e de outro, mesmo assim não encontra repouso; é que o desejo próprio traz, cada vez mais, a inquietação.
No entanto, quando ela mergulha totalmente na misericórdia de Deus, desejando morrer para si mesma e ter a vontade de Deus como guia para a compreensão, reconhecendo a si mesma como um nada, não desejando nada senão aquilo que Deus deseja, então ambos irão conhecer e realizar a vontade de Deus.
Enquanto a vontade própria do homem permanecer no eu, não estará no plano e chamamento de Deus; ela não é chamada, pois deixou seu lugar correto original: mas quando a mente se voltar novamente para o chamado, ou seja, para a resignação, então a vontade estará no chamado de Deus, ou seja, no lugar em que e para o qual Deus a criou;
O poder que Ele nos deu é o Seu plano, para o qual e no qual Ele criou o homem à Sua imagem.
Portanto, nenhum homem pode se desculpar, como se não pudesse querer.
Não pode, de fato, enquanto se fixa em si mesmo, em seu desejo próprio, servindo apenas à lei do pecado na carne.
Pois, ele fica preso, na condição de um servo do pecado; mas quando ele toma o centro de sua mente, canalizando-a para a vontade e obediência à Deus, então ele pode.
Deus criou a vontade da mente para o paraíso e no paraíso, a fim de que fosse sua companheira no reino da alegria divina.
Ela não deveria ter-se removido de lá; mas já que o fez, Deus trouxe Sua vontade novamente para a carne; com isto nos deu o poder de trazermos nossa vontade novamente para o paraíso, acendendo ali, uma nova luz, o que nos transformaria novamente em filhos de Deus.
Não foi Deus quem insensibilizou o homem; mas a vontade do próprio homem, que penetrou a
vida carnal do pecado, o que endureceu seu coração.
A vontade do eu trouxe a vaidade deste mundo para a mente, com isto ela ficou e ainda permanece fechada.
Deus não deseja nada senão o que é semelhante ao Seu próprio desejo; Seu desejo nada recebe se não for desejo.
Toda ficção e artifício dirigidos à Deus, seja lá o nome que tiverem, inventados e realizados pelos homens, como caminhos que levam à Deus, não passam de trabalho perdido e esforço inútil, desprovido de uma nova mente.
Não há outro caminho que leve à Deus, senão uma nova mente, que deixou a fraqueza e penetrou o arrependimento pelos pecados cometidos e morre para o pecado da alma, a fim de não mais querer o pecado.
O Cristo diz: “A menos que te tornes crianças, não verão o reino de Deus”.
A mente tem que se tornar completamente nova, como uma criança que nada sabe sobre o pecado.
O Cristo diz também: “É preciso nascer de novo, ou não verás o reino de Deus”.
Há que nascer uma vontade totalmente nova .
Todos os pecados cometidos devem morrer na vontade da alma, do contrário, não pode haver a
visão de Deus.
Pois, a vontade terrestre, no pecado e na natureza colérica, não verá a Deus.
Só a natureza regenerada é capaz da visão divina, ou êxtase.
A alma não pode herdar o reino de Deus neste tabernáculo terrestre.
Mas a adulação externa do ser que se considera filho de Deus, por imputação ou implicações
externas, é falsa e vã.
A obra feita na carne ou pela carne unicamente exterior, não faz o filho de Deus, o que o faz é a obra no espírito que pelo seu trabalho interior, é tão poderosa que brilha intensamente, como uma nova luz, na vida exterior; provando ser o filho de Deus, através de sua conduta e ações externas.
Se alguém se gaba de ser o filho de Deus e ainda faz o corpo queimar em pecados, não é um verdadeiro filho, nem está apto a receber qualquer herança; mas permanece preso pelas correntes do demônio em trevas espessas.
Se ele não encontrar em si mesmo um sincero e honesto desejo de boa vontade no amor, então esta pretensa filiação não passa de invenção da razão, procedente do eu.
Ele não pode ver a Deus, a não ser que nasça de novo, através de seu poder e vida, que é Seu verdadeiro filho.
Mas, talvez tu irás dizer: “Eu tenho uma vontade, de fato, de assim proceder;o faria de livre
vontade, mas estou tão obstruído que não consigo”.
Não, tu homem desprezível, Deus te criou para ser seu filho; mas tu não queres; o sofá macio no mal é mais querido a ti do que te apartar do mal imediatamente.
Preferes a alegria da fraqueza do que a alegria de Deus.
Ainda estás totalmente engolido pelo eu, vivendo de acordo com a lei do pecado, o que te obstrui.
Relutas em morrer para o prazer da carne, portanto não estais na filiação.
Deus te criou para isto, mas tu não queres.
Mortificar a vontade má é algo complicado; ninguém está disposto a fazê-lo.
Todos ficaríamos felizes de sermos os filhos de Deus, se o pudéssemos ser com esta espessa veste da natureza caída.
Mas isso é impossível.
Este mundo passa, e a vida externa deverá morrer.
Portanto, não é tão fácil se tornar um filho de Deus, como imaginam os homens.
De fato, não é problema para aquele que se revestiu da filiação, em quem a luz brilha; para estes, é uma alegria.
Mas, mudar a mente e destruir o eu, requer uma forte e constante sinceridade e um propósito firme e determinado, como se a alma e o corpo pudessem com isso se separarem; a vontade deve se perseverar constantemente, e não adentrar novamente o eu.
O homem deve lutar até que o centro negro, que se encontra fechado, se romper e abrir, e a
centelha permanecer ali, acesa pelo fogo; com isto o nobre ramo de lírio branco brota imediatamente, como o divino grão de mostarda, disse o Cristo.
Um homem deve orar sinceramente, com grande humildade, e por um tempo, permanecer como que um tolo em sua própria razão e se ver esvaziado de compreensão, até que o Cristo seja formado nesta nova encarnação.
Então, quando o Cristo nasce, Heródes está pronto para matar a criança, a qual busca externamente por perseguições, e internamente pelas tentações, para provar se esse ramo de lírios será suficientemente forte para destruir o reino do demônio, manifestado na carne.
É tentado e testado para provar se continua ou não resignado na vontade de Deus.
Diante da tentação, deve permanecer firme e caso seja requerido, deve deixar todas as coisas terrestres, até mesmo a vida exterior, para ser o filho de Deus.
O homem deve deixar todas as propriedades mundanas.
Isto não quer dizer que ele não deve ter ou possuir nada; mas que seu coração deve renunciar a elas, não colocar nelas o seu coração, não tomá-las como sua.
Pois, se ele ali colocar sua vontade, não terá o poder para servir, como é necessário.
“Serei simples em meu interior, e nada compreenderei, com receio de que minha compreensão se exalte e peque.
Irei me jogar aos pés de meu Deus, em Sua corte, a fim de que eu possa servir meu Senhor, naquilo que me mandar.
Não saberei nada de mim mesmo, para que a vontade e o poder de meu Senhor possa me conduzir e orientar, e que eu possa fazer unicamente o que Deus fizer através de mim.
Irei adormecer em mim mesmo até que o Senhor me desperte com seu espírito; e caso Ele não me desperte, então irei eu olhar para Ele em silêncio, e aguardar seus comandos”.
Observamos plenamente, que a verdadeira fé nunca esteve tão fraca desde o tempo de Cristo, como está agora.
No entanto, o mundo grita alto dizendo: “Temos a verdadeira fé”; E falam de um filho com tamanha controvérsia, que nunca foi pior na face da terra.
O Pai agora chama aos homens no amor, mas eles não irão ouvir, pois os ouvidos estão tapados com a avareza e a voluptuosidade.
Amados Irmãos, é tempo de busca, de busca e de encontro.
É tempo de sinceridade; aquele que observa irá ver e ouvir, mas aquele que dorme no pecado, e diz com o rei na barriga: “Tudo está calmo e em paz; não ouvimos nenhum som do Senhor”, será cego.
Mas a voz do Senhor soou em todos os confins da terra e uma fumaça surgiu; no meio dela há um grande brilho e esplendor.
Aleluia. Amén.
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