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terça-feira, 2 de outubro de 2012

Viagem à Anatólia , berço de Civilizações e Espiritualidades




Viagem à Anatólia, berço de Civilizações e Espiritualidades 


Esta provincia da Turquia foi desde tempos imemoriais ocupada por seres humanos que nela encontraram um local ideal para viver e expressar a sua espiritualidade.

A Espiritualidade, como sempre, inicia-se pelos cultos à natureza, á fertilidade, ao ritmo das estaçoes e do céu, e os deuses desses povos reflectem esta preocupação seja em rituais de natureza xamanica de inicio, indo a pouco e pouco com o desenvolvimento das sociedades para outros rituais mais ‘teorizados’.

As primeiras aglomerações urbanas de populações encontram-se aqui e uma delas a de Catalhoyuk data de 10.000 anos AC e já tinha um culto á Deusa Mãe como sua protectora e os seus habitantes deixaram pintadas em murais de suas casas várias cenas da vida diária, com os animais e a natureza (ex- vulções activos) que os rodeavam e influenciavam.







Datado de 9000 anos AC existe um sitio arqueologico denominado de Göbekli Tepe que é considerado um dos primeiros templos da humanidade que precede Stonehedge de 7000 anos e presume-se que foi construido com um intuito de culto religioso, talvez de natureza xamanica face aos multiplos animais ai representados, estando ainda a decorrer escavações arqueológicas para obtenção de mais dados. 








Não se encontraram habitações nas redondezas o que pode indicar ser um local de reunião sagrado onde as pessoas se deslocavam para cerimónias e rituais especificos. 

Entre 2000 AC e 1200 AC esta região foi habitada por povos vindos do Cáucaso que estabeleceram a civilização Hitita contemporânea da Egipcia com quem disputou terrirório e guerras (Kadesh). 







12 Deuses do submundo

Esta civilização manteve o culto à Deusa Mãe já numa forma mais estruturada, tendo já um Deus Criador (o Deus das Tormentas Teshub) e sua esposa Hepat ( Deusa Mãe representada no dorso de leões ou leopardos) com seus filhos e uma hierarquia de outros deuses ( ex- existiam 12 deuses do submundo).

Nesta região encontra-se a provincia da Capadócia, cujo nome há quem diga que quer dizer ‘Terra da Deusa  Mãe’ pela preponderância deste culto durante milhares de anos.

As rochas da região, principalmente tufo calcário, adquiriram formas caprichosas ao longo de milhões de anos de erosão, e são suficientemente macias para permitir que os humanos construam as suas habitações escavando-as, em vez de erigir edifícios, o que faz com que nessas paisagens lunares abundem desde tempos imemoriais cavernas naturais e artificiais para uso habitacional e religioso, algumas delas ainda hoje utilizadas. 








Supõe-se que as mais antigas podem remontar ao tempo dos Hititas, há mais de 3000 anos, e que muitas ainda estarão por descobrir.
Algumas cidades subterrâneas podem ser visitadas, e têm vários níveis — a de Kaymakli, por exemplo, tem nove, embora apenas quatro estejam abertos ao público, estando as outras reservadas para investigação arqueológica e antropológica, — e dispõem de canais de ventilação, cavalariças, padarias, poços de água e tudo o mais necessário para que os seus ocupantes, cujo número podia alcançar os 20 000, pudessem resistir durante vários meses sem que fossem detectados pelos invasores.




O cristianismo surgiu na Capadócia relativamente tarde, sem nenhuma evidência de uma comunidade cristã antes do final do século II .

O cristianismo expandiu-se principalmente durante o século IV, devido à conversão de Constantino I, e os bispos da Capadócia estavam entre aqueles que participaram no Concílio de Nicéia.

É nesta época que surgem as primeiras igrejas rupestres e as primeiras comunidades de monges cenobitas, que habitavam grutas escavadas nas rochas nas proximidades e se reuniam regularmente na igreja para actos de oração em colectivo.
As igrejas escavadas na rocha eram decoradas e acondicionadas. 
Atualmente ainda existem centenas de igrejas na região decoradas com frescos nas paredes e tectos.








Na Capadócia ao contrário dos eremitas do Egipto (chamados Pais do Deserto), os monges tinham um papel menos isolado entre si e estavam mais perto das populações locais num papel mais missionário.

No desertos do Egipto estas comunidades eremitas acabaram no sec. 3 DC enquanto na Capadócia se mantiveram até ao sec. 6-7 DC, tendo subsistido por mais tempo devido ao isolamento do local que também serviu de refúgio a muitos cristãos perseguidos pelas heresias da altura.




São Paulo efetuou três viagens à Capadócia entre 44 e 58.
Muitos dos primeiros cristãos habitavam a região, tendo as cidades subterrâneas sido usadas como refúgio pelos primeiros cristãos durante as perseguições de que foram alvo durante os séculos II, III e IV.

Aí nasceram nessa época os seguintes santos e teólogos:

São Basílio, São Gregório de Nissa e São Gregório de Nanzianzo, o Novo, são chamados os Padres ou Filósofos Capadócios



               São Basilio 

Os Padres Capadócios iniciaram o desenvolvimento da teologia cristã, por exemplo, a doutrina da divinidade da Trindade, e combateram a doutrina do arianismo ( que ensinava que o Filho não era como o Pai, mas havia sido criado, e não era pois, Deus), para eles o Filho foi considerado como o Pai, mas não da mesma essência que o Pai. 

Os Padres Capadocianos ensinavam a doutrina da homoousia, ou consubstancialidade do Filho com o Pai.
Em seus escritos fizeram uso extensivo da fórmula (hoje ortodoxa) uma substância (ousia)  em três pessoas (hypostaseis). 

Não nos é possível saber o que Deus é (a natureza de Deus é incognoscível para o homem), só que ele é, porque ele revela-se em três como o Pai, Filho e Espírito Santo.

Os três são pessoas individuais mas todos partilham uma parte comum, a sua humanidade.
Cada um de nós participa da existência, porque se compartilha uma substancia (ousia) enquanto por causa de suas propriedades individuais ( hipostase), cada um é A ou B.
Ousia se refere à concepção geral, como bondade, divindade, ou noções, enquanto hipóstase se observa nas propriedades especiais da paternidade, filiação e poder santificador.

Os Padres Capadócios distinguem entre a "essência" de Deus (que não se pode conhecer) e as "energias" de Deus (que se podem conhecer).

No caminho espiritual, eles distinguem três etapas: 
1) a "limpeza" (afastamento das coisas do mundo), 
2) o desenvolvimento das virtudes (as "energias" de Deus), 
3) o amor a Deus (para chegar à "essência" de Deus).

Eles explicam que só conhecendo as "energias" de Deus (na etapa 2) se pode saber o que é Deus, para o poder amar (na etapa 3). 
Dizem também que o processo de aproximação a Deus (etapa 3) nunca está terminada.

São Gregório de Nissa fala de três etapas do crescimento espiritual: a escuridão inicial da ignorância , em seguida, a iluminação espiritual e finalmente, a escuridão da mente na mística contemplação do Deus que não pode ser compreendido.

Para Gregório há uma distinção ontológica entre o criado e o incriado.

O homem é uma criação material, e, portanto, limitado, mas infinito em sua alma imortal e tem uma capacidade indefinida de crescer para perto do divino.

Gregório acreditava que a alma é criada simultaneamente à criação do corpo (em oposição a Orígenes , que acreditava na preexistência), e que os embriões eram assim, pessoas.

Para Gregório, o ser humano é excepcional pois é criado na imagem de Deus


S. Gregório de Nissa


A humanidade tem tanto auto-consciência como livre arbítrio, o último dá a cada um poder individual existencial, porque para Gregório, quem desrespeita a Deus , nega a sua própria existência.

No Cântico dos Cânticos , Gregorio metaforicamente descreve vidas humanas como pinturas criadas pelos aprendizes de um mestre: os aprendizes (as vontades humanas) imitam o trabalho de seu mestre (a vida de Cristo), com belas cores (virtudes) , e assim o homem se esforça para ser um reflexo de Cristo.

Gregório, em contraste com a maioria dos pensadores de sua época, viu grande beleza na Queda :. do pecado de Adão a partir de dois seres humanos perfeitos acabaria por surgir a miríade da vida.

Assim os Padres Capadócios compartilham a idéia de que a realidade de Deus é completamente inacessível aos seres humanos e que o homem só pode conhecer a Deus através de uma jornada espiritual em que o conhecimento é rejeitado em favor da meditação.





A Capadocia foi também um região onde se implantou na época muçulmana a filosofia Sufi tendo como Mestre principal um sufi que viveu precisamente no século 13 e que teve um papel muito importante em todo o movimento sufi. Ele chama-se Haci Bektas e os seus seguidores se chamam de Bektashis e ainda hoje se encontram em varias zonas do mundo ( Bósnia, Albãnia , India).

O amor de Deus e o amor do homem jazem na base da filosofia Haci Bektas que examinou o universo que o Criador tinha criado e foi profundamente influenciado pela perfeição, harmonia que ele observou no universo.
Os Bektasis dão importância à iniciação nos mistérios como os gnósticos cristãos, incluem as mulheres no seu meio, dão valor divino e sagrado à natureza como os animistas, dizem que o acesso a Deus se faz sem intermediarios como sacerdotes ou gurus e, dizem que a percepção do divino se faz pelo esforço pessoal de cada adepto.

De acordo com Hacı Bektaş há quatro estágios na abordagem a Deus:

Seriat: os comandos divinos (as leis da religião)
Tarikat: os princípios das ordens místicas
Marifet: conhecimento em questões religiosas e espirituais
Hakikat: conhecimento em todos os mistérios da religião, da vida e do universo

Seriat (regras, os comandos, as leis divinas ): a capacidade de julgar entre o limpo e o sujo, entre o certo e o errado. Um homem deve aprender a julgar, praticando o que Deus tem prescrito no Alcorão e evitar o que Ele nos disse deve ser evitado. Mas o conhecimento por si só não pode elevar um homem.

Tarikat (a prática das ordens misticas) : o caminho dos dervixes que oram dia e noite, invocando o nome de Deus. Eles se esforçam para a vida eterna, mas devem evitar a forma monótona e apática; se a adoração de um homem não é suficientemente activa e dá lugar ao orgulho, ele não pode esperar alcançar a elevação.

Marifet (o conhecimento das questões religiosas e espirituais ou iluminação): os místicos iluminados são como a água, que é limpa e faz outras coisas limpas . Eles são amados por Deus, pois mesmo que eles não olhem para os interesses mundanos e celestiais, eles respeitam fielmente as regras.

Hakikat (conhecimento em todos os mistérios da religião, da vida e do universo ou realidades): Os homens que conhecem as realidades são a mais elevada das quatro categorias. Eles praticam a renúncia, modéstia e submissão; eles apagaram-se na presença de Deus, já atingiram o nível de contemplação e oração constante (münacat), eles são homens santos que amam a Deus e são amados por Ele.

Assim, estas quatro categorias são como quatro portas sucessivas através das quais o homem deve passar para chegar ao mais alto nível.
Cada porta é constituida por dez etapas ou obrigações, fazendo um total de 40 ao todo.
Nenhum homem pode chegar a Deus sem ascender cada passo.

Por exemplo, ‘’se um homem ora sem realmente acreditar, ou age desonestamente na sua caridade, ou muda de idéia ao retornar de sua peregrinação, ou não tem fé em Maomé ou de um dos seus discípulos, tudo é em vão ".

O Caminho Bektashi insiste na necessidade de um guia espiritual para levar o crente ao longo desta caminhada longa e extenuante e que vai emprestar seus ouvidos e sua mão durante toda a viagem espiritual do candidato que se esforça para remover os maus pensamentos e dúvidas que o atormentam.
Sem um guia ninguém pode alcançar seu objetivo, mesmo se ele ou ela é dotada de conhecimento inato, virtude e força espiritual. 
O viajante precisa avançar sua autoconfiança e de nutrir sua alma.



Nesta região encontra-se também a origem da famosa Sema , a dança sufi dos Derviches rodopiantes, cuja escola nasceu a partir dos ensinamentos do Mestre sufi Mevlana Celaleddin-I Rumi (1207-1273).

A cerimônia dos derviches rodopiantes simboliza os diferentes significados de um ciclo místico até à perfeição (ascensão - Mirac). 

A cerimônia dos dervixes rodopiantes representa toda uma jornada mística de ascensão espiritual do homem através do amor, para encontrar a verdade e chegar ao "perfeito". 
Em seguida, ele retorna desta jornada espiritual como um homem que atingiu a maturidade e uma maior perfeição, a fim de amar e servir a toda a criação, a todas as criaturas, sem discriminação em matéria de crença, classe ou raça.




O dervishe com seu chapéu ( simbolo da morte do seu ego) e sua saia branca (simbolo da mortalha do seu ego) nasce espiritualmente para a verdade. 
Quando ele remove o manto preto, ele viaja e avança para a maturidade espiritual através dos estágios da cerimónia.
No início de cada fase segurando seus braços cruzados, ele representa um número e atesta a unidade de Deus.

Enquanto girando com os braços abertos, mão direita dirigida para o céu, pronto para receber a beneficência de Deus, contemplando a mão esquerda virada em direção à terra para dar o que ele recebeu , ele vira da direita para a esquerda, girando em torno do coração. 
Esta é sua maneira de transmitir o dom espiritual de Deus para as pessoas sobre quem Deus olha com uma divina vigilância. 
Girando finalmente em torno do coração, da direita para a esquerda, ele abraça toda a humanidade, toda a criação com carinho e amor. 

Hoje em dia é apenas um mero espectáculo turistico sem qualquer força espiritual.

Para um derviche ( que significa Caminhante em arabe ) é mais uma viagem de conhecimento e aprofundamento interiores.

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