-- De onde vens e para onde vais ?
-- Venho de Deus na escuridão e para Deus vou na Luz.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A Espiritualidade de Teixeira de Pascoaes



A doutrina iniciática de Teixeira de Pascoaes
e sua relação com Martinez de Pascually


Ò lares apagados, ai de vós!


Teixeira de Pascoaes ( 1877- 1952), pseudónimo literário de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, nasceu em Amarante e foi um poeta e escritor português, principal representante do Saudosismo.
Adoptou este pseudónimo devido a seguir a doutrina de Martinez de Pasqually, conhecido pelo livro Tratado da Reintegração dos Seres que preconiza técnicas e práticas teúrgicas para o homem se libertar das tentações do mundo e ascender ( mais própriamente descer dentro de si em outro plano) para se conhecer melhor e se unir a Deus.

Existem autores que apontam este Martinez de Pasqually (1727-1774), de origem pretensamente francesa, como sendo português com o nome de Martins de Pascoal e daí ter o nosso poeta adoptado esse pseudonimo de Pascoaes.
É verdade que os dois partilham de caminhos espirituais idênticos pelo que seria possivel esta associação.


Sendo um proprietário abastado, não tinha necessidade de exercer nenhuma profissão para o seu sustento e dedicava-se à gestão das propriedades, à incansável contemplação da natureza e da sua amada Serra do Marão, à leitura e sobretudo à escrita.

Casa Museu de Teixeira de Pascoaes- Gatão-Amarante

Era um eremita, um místico natural e não raras vezes foi descrito como detentor de poderes sobrenaturais.
Apesar de ser um solitário, recebia inúmeros intelectuais e artistas, nacionais e estrangeiros, que o iam visitar frequentemente.

Está confirmada sua filiação maçonica também.

No final da vida, seria amigo dos poetas Eugénio de Andrade e Mário Cesariny de Vasconcelos. Este último haveria de o eleger como poeta superior a Fernando Pessoa.

Era um homem que "remava contra a maré", em sentido oposto à direcção passiva que o homem naturalmente tende a seguir.

Para ele criar não era inventar mas sim desocultar aquilo que para outros está velado e vedado.

Quero subir aos astros e descer ao abismo da noite
Quero voar, subir àquela altura de onde meu ser tombou
Quero beber na Fonte original !
Quero ir além da vida e além da morte.


O apoio no Caminho para Pascoaes faz-se no feminino, por Eleonor ou pela Musa, são essas as suas Sofias.
Sem esse continuo suporte feminino não se pode caminhar segundo Pascoaes.


Cismar para Pascoaes significava "separar as aguas " , o corpo material do ser espiritual , descer pelo corpo às profundezas da materialidade onde se situa a casca superficial que, à semelhança dos moluscos, oculta o ser vivo espiritual mais subtil.

No cismar ele perde-se de si próprio para nascer ‘nesse outro mundo’.

Estátua do Poeta em Amarante

Mas quebrar a casca é uma operação perigosa e se é verdade que a casca oculta e esconde ela também protege os "incautos" pois quebrada a casca o mundo que julgávamos fixo e seguro se torna um abismo (onde Pascoaes gostava de cismar) que parece fugir a nossos pés e quem não estiver preparado pode enlouquecer e ser afogado no " qual buraco aberto no meu ser", nessas águas inconscientes e profundas cheias de remoinhos.

Aqui se encontra a fronteira entre os que preferem ficar seguros, protegidos pela casca e "fixos" e aqueles que desejam ir mais além e não se contentam com a segurança,aqueles que penetram nas entranhas do fixo com olhos de fogo ( sem eles mesmos serem fogo) para aí dissolver e desocultar a Origem, o Principio.

A estes últimos Pascoaes dedica sua obra, aos que buscam diariamente o Paraiso perdido que, como narram as lendas (e o seu próprio livro de poemas “Regresso ao Paraiso”) só pode ser alcançado pelos eleitos.

Pascoaes diz que o acto de ‘busca’ não existe em nós actualmente, pode contudo ser despertado-activado pelos ‘saudosos’.

A eles aconselha o afastamento do mundo, dos sentidos exteriores, ao dizer ‘ é preciso fechar os sentidos ao mundo da matéria, como a tampa dum sepulcro’.

Quando lhe perguntaram qual a pior coisa que lhe aconteceu, Pascoaes disse :
Foi ter os 5 sentidos.


Pois quem os fecha e alcança o novo mundo ‘como pode voltar a ser o mesmo?’.

Mas Pascoaes não queria ‘matar’ o corpo ou abafá-lo.
Pelo contrário diz que se trata de ‘cavalgar o tigre’, de dar vida (espiritualizá-lo) a este corpo, de o transmutar, pois ‘só assim se pode conhecer as cousas por dentro’.

Pascoaes era um homem que meditava e que cismava sobre esse abismo, ia para a montanha perto de sua casa em Amarante e aí se comportava como um eremita do seu tempo, aí procurava "dissolver a casca do fixo e obter a pérola do Eterno" à semelhança do adágio alquimico " visita o interior da terra e rectificando encontrarás a pedra oculta" .

Quando regressava da montanha dizia que ‘fui á Fonte encher o cântaro’ e ao passar pelas pessoas tristes no regresso pensava para si ‘Ò lares apagados, ai de vós!.

Para ele a Natureza era um bom intermediário na sua meditação pois como ela foi criada antes do homem estava mais próxima da Origem de que ele tinha Saudade e retinha ainda a pureza original que o homem já não tem.

As vozes que ele ouve vêm de um " fundo abismo, por minhas mãos aberto no meu ser" numa descida mística em si mesmo até a fonte original onde "as sementes das coisas estão como em potência do acto que as fará desabrochar".

Mas essa descida é mais uma subida gnóstica pois " quanto mais se desce mais se sobe, mais se conhece" ou "na escuridão das cousas vou subindo ,vendo e compreendendo" ou seja, entrando em si , vai subindo porque vai compreendendo".

Nessa descida interior se dissolve o espesso (a corporeidade) e se transforma o fixo material corpóreo em energia espiritual.

O corpo é ao mesmo tempo veneno ( porque oculta a nossa verdadeira Origem ou pérola) e remédio ( porque é através dele e da sua dissolução-rectificando que se obtém a pérola).

Quem faz esse percurso e se nele mantém é como se vivesse num corpo quase alheio, tal como se vive no mundo que nos é alheio.

Esta ruptura de nós para connosco parece ser a verdadeira queda: é um estar não estando.

Assim o nosso corpo pode servir de apoio para a conquista de nós próprios por Nós Proprios.

No livro Caridade, Pascoaes diz que “o corpo ao materializar o espirito faz a acçao do demónio (aquilo que os alquimistas chamam a prisão do mercurio equivalente à queda e prisão da força viva do homem) e o espirito ao desejar espiritualizar o corpo faz a acção divina”.

Nessa alquimia-transmutação do corpo, este passa a ser uma função da alma e não o oposto.

Pascoaes salienta a inevitabilidade da ruptura, da morte para o sucesso do caminho espiritual.
Essa ruptura ocorre pela morte fisica no homem normal e ainda em vida no homem iniciado.

Para o iniciado isso só pode acontecer se ele tiver um apoio (Pascoaes salienta o apoio feminino da sua Eleonor), um instrumento para navegar nas águas turbulentas do abismo sem se perder.


Pascoaes ao ‘cismar’ na transmutação do corpo, chega a um ‘novo mundo’, onde fica “tão deslumbrado nesta terra de alma, que supõe ter morrido já, sem o saber”, pois o ‘local’ é tão longinquo que poderia morrer sem o saber tal o grau de separação.

E num cismar abstracto me concentro’, concentrar=dissolver a matéria para a espiritualizar.


Pascoaes está bem ciente do equilibrio de forças necessário a este ‘cismar’, pois fala em ‘ascender ao superior para aí adquirir força mas depois é preciso descer ao inferior para o domar e reunir os dois que passam a estar em equilibrio.

Assim como para os alquimistas é importante equilibrar o fogo para se avançar sem perigo de quebrar o vaso (corporiedade) por excesso de fogo (queimar-se por proximidade demasiada) ou de não chegar a qualquer transformação por fogo demasiado brando, assim para o nosso Poeta ao entrar nesse mundo de Luz é necessário ‘manter a consciência num ponto tal que se não perca ou dissolva nem esteja demasiado ensimesmada, que não permita a entrada nesse outro mundo’.

Ou seja, cismar é preciso mas cismar sempre em equilibrio, em boa conta, sem excessos fatais nem prudèncias limitadoras.

Assim como os alquimistas desejam a libertação da Natureza assim o nosso Poeta deseja ‘desprender a Luz das trevas e assim libertar a Natureza das suas imperfeições voltando a ser o Paraiso onde os famintos de pão divino se vão alimentar’.

Pascoaes por vezes refere-se a ‘esse novo mundo’ como ‘o mundo da Memória’ daí a palavra Saudade (palavra só e tão portuguesa) que ele tão bem refere que se baseia na Memória do que tivemos e não temos, que é simplesmente a Saudade de Deus, da Origem do homem tal como ele diz ‘A saudade do céu é a lembrança de uma remota Perfeição, vivida talvez em outro mundo,assumida pelo desejo de uma nova Perfeição’.

Para Pascoaes temos ‘no nosso fundo mais fundo uma centelha da lembrança viva que recorda’.
Recorda o quê?
Recorda o Paraiso, pois ‘só pode haver Saudade do Paraiso’.


Nesse mundo novo, Pascoaes diz que deixa de existir em si para atingir um estado de liberdade que descreve como que liberto ‘de Deus e do desejo tal como Mestre Eckhart diria que ‘é preciso passar para além de Deus para se Ser’.

Quando pela Saudade a ‘ânsia de subir se torna Visão, pode-se deixar tudo para trás, abandonar em deixação tudo, para tudo ser’.
Como dizem os taoistas que ao chegar ao cimo do monte só podem avançar dando ‘o salto para além da vara dos dez mil pés’.

Pascoaes sabe que ‘o que está em baixo está em cima’ e assim baseado nessa ‘correspondência’ o Poeta Vê, quer olhando para si em si mesmo quer olhando para si em algo exerior: monte, pedra, fonte ou passaro.

O Amor transmuta-o pois :
Já de tanto sentir a Natureza, de tanto a Amar com ela me confundo’ ,
‘Quem é sómente Amor desaparece, deixa, para ser Tudo, de existir’.


Para Pacoaes no homem existem duas facetas, uma luminosa, outra escura.
A ultima é o lado exterior, corpo material bruto.

‘A criação material é denso nevoeiro,
que dimana de Deus e o encobre todo,
e o rouba ás nossas almas afligidas,
que têm nas asas, máculas de lodo’.

A primeira o lado interior, subtil, etereo.
É apenas pela primeira que se pode desvelar Deus.

Para Pascoaes o ser tem duas presenças, a exterior ou aparente e a presença da saudade, intima e remota.
A primeira é a sua aparência, a segunda a sua ‘aparição’.
Na segunda é que o ser existe para a vida eterna do Espirito.

Pascoaes tem consciência que o caminho espiritual é perigoso e pode levar incautos à loucura e recomenda um caminho estável e por fases que permita a ‘gradual dissolução’ e se ficar protegido dos inúmeros ‘passatempos e distracções’ que esta sociedade ‘tão bem soube arranjar para falsamente preencher esse sentimento de ausência que temos do Paraiso com as mais diversas actividades mundanas’.

Adverte sobretudo os perigos das grandes cidades como ‘centros cancerigenos’ que minam a lembrança e a Saudade.
Que cada um não seja afectado por esta contagiante epidemia, que cuide si e faça o necessário’.

Avisa que nada pode substituir ou preencher na terra essa ausência, que deve ser apenas preenchida pela espiritualização do corpóreo pois ‘O meu Reino não é deste mundo’!.

Pascoaes escreveu um livro de poemas ‘Regresso ao Paraiso’ onde diz que esse regresso é um regresso que acrescenta algo à Origem, um regresso que viveu todas as dimensões da aventura da vida.

A Saudade é a Sabedoria, a gnose que viu o Fiat Lux, que viu a Ressureição, e porque a viu, não pode fazer mais nada que ir a ela, antecipá-la, vivê-la antes da morte, morrer antes da morte.


Campa do Poeta

É a Fé que já Viu e que faz Ver.
A fé vulgar é aquela que permite não morrer, mas a Fé da Saudade é a que permite Viver, a que reconhece a Vida para além do nascimento e da morte.


Teixeira de Pascoaes e Martinez de Pascually concordam em muitas coisas.

Ambos dizem que o Paraiso é um estado de alma e não está em nenhum lugar senão dentro de cada um de nós.

Que o homem é hoje um demónio entre demónios, mas ao contrário deles, é o único que tem a liberdade de poder ouvir, ora o bom espirito ora o mau espirito e ouvindo o primeiro redimir o mundo, redimindo-se a si próprio.

Martinez de Pascually criou rituais próprios para ‘ouvir’, para invocar esse bom espirito, esse ‘anjo da guarda’ que nos assiste no caminho do Regresso.

Ambos dizem que para Regressar é preciso deixar para trás as ‘formas inferiores’, deixar ‘ morrer ou dissolver qualquer forma de matéria.’

Para ambos a missão do homem é ‘operar segundo o pensamento divino’.

Para Pascually a queda fez-se do Paraiso para a primeira matéria em que é encerrado Lucifer e desta para a segunda matéria em que é encerrado Adão.

Para Pascoaes o regresso faz-se do Inferno à Terra e desta ao Paraiso.


Deus e o homem teriam feito ambos uma só operação
e era nessa obra que Adão teria a glória de ter sido o Criador de uma posteridade de Deus.

Martinez de Pascually no Tratado da Reintegração dos Seres.



Vêde o homem sonhando, pelo sonho
Reunindo as êrmas cousas transitórias,

Concluindo a imperfeita Criação Que Deus iniciara...

Teixeira de Pascoaes no Regresso ao Paraiso.

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