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segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Genese segundo Jacob Boheme - 11

Dante encontra Virgilio - Ilustração de Gustavo Doré



Parte 11


A história da Criação


A terra era ou tornou-se sem forma e vazia ???

A terra tinha estado , desde o primeiro momento, numa condição de não formada, tinha sido uma massa caótica " uma materia prima" em si mesma sem Espirito e precisava de receber a vida do Espírito, e que o Criador, que quis desenvolver seu trabalho a partir do imperfeito ao perfeito e cujo Espírito pairava sobre a face das águas, modelou e enegendrou esta matéria informe através de uma série de períodos criativos, até atingir a perfeição para o qual foi destinada.

Tohu Vabohu ( sem forma e vazia )

"Tohu Vabohu" não significa simplesmente o imperfeito e ainda pouco desenvolvido, mas inclui a idéia de perturbação e destruição de uma condição anteriormente ordeira, com a noção implícita da ira e da justiça punitiva de Deus .

’Tohu Vabohu’’ será um produto imediato da atividade criadora ou pelo contrário, a expressão de uma ‘’turba "(confusão ,caos ) onde teria entrado ?

Se é um produto imediato da atividade criativa, porque, então, não é Tohu Vabohu contado entre os dias criativos como se fosse o trabalho do primeiro dia?

Porque é que nós nunca lemos : "E disse Deus: Que a terra seja sem forma e vazia; que haja Tohu Vabohu"?

Mas outra frase da Escritura diz : " Havia trevas sobre a face do abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas."

Tampouco lemos nalgum lado : "Deus disse, Que haja trevas !", mas sim que "Deus disse: Que haja luz e Ele separou a luz das trevas".

Que Deus dividiu a luz das trevas implica que tanto a Luz e as Trevas, são realidades, pois só as realidades podem ser divididas.

É um grande erro tratar as Trevas como uma mera deficiência de luz ou uma ausência dela.

Nota : Boehme aqui pode-se considerar que 'roça' o Maniqueismo ao aceitar estas 2 realidades em vez da teoria unitária Neoplatonica que considera as Trevas como ausência de Luz .

Segundo as Escrituras, Luz e as Trevas são princípios contraditórios, forças conflitantes; Trevas é o poder que é hostil à Luz .

Também lemos que Deus chamou boa à Luz, enquanto ele não disse que a escuridão era boa.

Que Deus separou a luz das trevas mostra que a luz deve ter sido presa na escuridão, e oprimida por ela ( com a queda de Lúcifer, as Trevas prevaleceram e oprimiram a Luz. A Luz retirou-se e ficou 'escondida' no interior das Trevas até Deus decidir separá-la) e sabemos que Deus disse:" Que a Luz brilhe fora da escuridão e resplandesça em nossos corações " .

Os dias criativos avançam de Luz em Luz, até que finalmente surge o Paraiso como uma casa de Luz, destinado à criatura de Luz , feita à imagem de Deus, o Homem,o Adão .

Quanto mais nós estudamos atentamente as trevas, o Tohu Vabohu , o abismo sem fundo, e as águas, que parecem denotar a agitação da "turba" onde a terra foi colocada , mais estamos convictos de que tudo isto não pode ter pertencido à ordem original do Deus criador, mas que representa um estado em que a Terra, criada por Deus, tornou-se palco de uma catástrofe, uma revolta no mundo espiritual, que tinha sido transplantada para a natureza como uma tempestade terrível na manhã de tempo.

A concepção de que somos levados a crer é de que a ‘’terra se tinha tornado sem forma e vazia ‘ e não que a ‘terra era sem forma e vazia ‘’ .

A história do Desenvolvimento da Terra

A moldagem da terra não se fez pelo caminho da evolução progressiva de forma pacífica, mas pelo caminho das revoluções violentas e tempestuosas, como uma competição entre a criação e a confusão ,entre os poderes da vida e da morte.

Afirma-se que o poder da morte exerceu um domínio amplamente alargado em todo o mundo antidiluviano.

Ouvimos falar de fauna e flora destruídas, mundos pereceram de plantas e animais; multidões de seres vivos que fizeram sua aparição simultaneamente com a formação das montanhas,mas de repente encontraram a morte, alguns por inundações e dilúvios, outros por massas precipitadas das montanhas em auto-formação, outros por torrentes de fogo que irrompeu com a fúria dos vulcões, que lembra irresistivelmente as três primeiras Propriedades Naturais de Boeheme , o Ternário negativo, que está aqui em evidência, a sua ferocidade extrema.

E uma experiência semelhante se repete em períodos geológicos posteriores, um mundo emergente de seres vivos, animais e plantas, e, quase instantaneamente, todo transformado em um imenso campo de morte, com a desolação e silêncio, e da condenação à petrificação.

A extinção dos Dinossauros

Os animais desse mundo primtivo , como os grandes lagartos chamados Dinossauros eram monstros enormes, e nessa altura as praticas de rapina e assassinato, juntamente com o mais requintado tormento, eram uma característica essencial desse mundo .

Estes monstros foram varridos, e foram obrigados a abrir espaço para um trabalho criativo de Deus, que disse que isso era bom.

O distúrbio originou-se na própria Criação

Ninguém nega que a morte no mundo antediluviano governou como um poder destrutivo e perturbador, ou que o mundo animal estava cheio de monstros terríveis.

E agora pergunta-se: Isto seria normal numa história criativa que se desenrolasse ao longo das linhas normais? Isto pode estar em harmonia com Deus, cuja essência é a santidade, a sabedoria e o amor, que tem como seu instrumento a Omnipotência?
Esta situação não pertencerá antes a uma natureza que não do Deus que é um amante da Vida, de contrário teriamos de concluir que Ele tem prazer na morte e na ruína da criação?

Também é inadequado para tentar explicar isso dizer que Deus, em sua obra criadora, avança do menos perfeito ao mais perfeito, que o próprio Criador estava obrigado a realizar certas experiências ou testes , antes do perfeito poder aparecer; que essas raças de seres vivos, tão rapidamente e repentinamente destruídos, são a premissa do que se destinava a ser permanente e que, sem este postulado experimental , esse permanente final nunca poderia ter surgido.

Esta afirmação, de que uma vida para ser permanente nunca o seria sem o postulado da Morte, é precisamente a afirmação que exige prova.

Não é necessário que exista esta prova , pois nenhum propósito definido/permanente para a criação foi até agora alguma vez indicado , Deus cria porque quer, não cria com algum propósito definido .

A existência de vida permanente não implica a existência da morte.

Perguntamos então : Porque, então, Deus não permitiu às Suas criaturas de avançar com calma na evolução progressiva? Qual a necessidade de toda esta revolução?

Podemos facilmente compreender que Deus, cuja vontade é que a criação se desenvolva por si mesma e de certa maneira se produza a si mesma , sofra que a Criação avance do imperfeito ao perfeito no meio desta revolução.

Estas monstruosidades, essas mortes violentas e destrutivas, esses assassinatos e envenenamentos recíprocos não são simplesmente imperfeições, não são sómente contrastes , mas a própria contradição da Vida, elas constituem um princípio hostil dentro da própria Natureza.
Há naturalistas que negam Deus e a criação, e começam o trabalho a partir da natureza cega mas também não explicam porquê esta irracionalidade na natureza surgiu, e porque isso obrigou primeiro a produzir mundos destinados à morte e destruição, essas experiências em bruto, de laboratório, como eles chamam, e porque não ,de uma vez ,se produziram mundos normais .

Nós que cremos em Deus e na Criação, e reconhecemos uma revelação divina no registro da Criação, não podemos deduzir toda essa confusão, todos esses túmultos e todo este assassínio de Deus.

Esta perturbação deve ter-se originado na própria criação, na criação livre, no criado mundo Espiritual .

Só no Espírito se pode originar o mal e daí o Espírito também poder introduzir energias perturbadoras na natureza , pois a natureza é criada a partir do Centro Natureza que é Espirito .


As duas possibilidades da Criação

Não podemos deixar de considerar a hipotese que Deus tenha estabelecido a Sua Criação em cima de uma dupla possibilidade - a possibilidade de uma inocente, evolução em paz e harmonia, e uma evolução através do pecado e da morte.
Nesta ultima evolução , uma multiplicidade de potências e de forças que, no desenvolvimento normal, teria permanecido em latência e ocultação, em mera possibilidade, são libertadas em realidade e energia destrutiva, e isso explica por que a natureza tem a marca da mistura e da luta , pois agora as forças, como diz Bohme , já passaram "de temperatura."

Estamos muito longe de supor que os poderes demoníacos possam criar, o que seria uma admissão maniqueísta, mas não é maniqueísta admitir que as forças, actuando em falso isolamento , possam produzir deformidades, tanto por falsas misturas ,separações e divisões , e que estes fenómenos se apresentaram em todo o mundo antediluviano numa escala colossal e gigantesca.

Nota: Aqui tenta-se evitar que o pensamento de Boehme seja Maniqueista. Por isso se dá esta explicação.

A luta entre Deus e os Poderes das trevas

A história da criação deve ser considerada como a restauração de um mundo que foi afundado em ruínas,como uma batalha continua entre Deus e os poderes das trevas que pretendem ocultar e dificultar o trabalho de Deus, onde cada criatura que Deus produz deve ser considerada como uma presa que é tirada aos poderes hostis.

A criação da terra deve pois ser apreendida como uma manifestação progressiva da Vontade Divina durante a batalha com um princípio obstructivo e rententor que deve ser ele próprio uma vontade a trabalhar contra a Vontade Divina.

O selo do Amor e da Cólera

O Mundo, que assim passa a existir não pode deixar de conter o carimbo e a assinatura do conflito, não pode deixar de possuir, como Bohme diz, o selo do amor e da ira, ou, uma mistura de glória e terror.

Quando é muitas vezes repetido na história da Criação, que "Deus viu que tinha feito, e isso era bom", a palavra "bom" não é para ser tomada de forma absoluta, mas apenas num sentido relativo, que é bom como um meio de atingir o designio da nova criação.

É apenas na conclusão, quando Deus olha para o Todo criado , que pela primeira vez decreta que é muito bom.

Por conseguinte, os dias criativos avançaram de luz em luz pela conquista contínua da escuridão até que finalmente o objetivo é alcançado no Éden, no Paraíso, como a morada perfeita de luz para a criatura de luz, feita por Deus á Sua própria imagem, e por quem o conflito inteiro era sustentado e todo o trabalho realizado, nomeadamente o Homem .

A confusão permanecia fora do Paraíso.

No Paraíso não há nada misturado, nada impuro, tudo está em "temperatura".

Com a queda de Lúcifer, o mundo que existia até então foi destruído e ficou num caos.

Então, no meio desse caos, Deus criou o Paraíso.
E a governar o Paraíso, colocou o Homem-Adão.


A ideia de Deus era, a partir de Adão e do Paraíso, reconstruir um mundo novo.
No entanto, a serpente, vinda desse mundo caótico que ainda rodeava o Paraíso, que era uma ilha no meio do caos , conseguiu introduzir-se no Paraíso e tentar o Homem -Adão.
A serpente ( o pecado ) ainda se encontrava no meio da Criação, como outra forma ela poderia ter entrado no Paraíso que o homem foi nomeado não apenas para cultivar mas também para guardar ?

Fora do Éden, havia confusão, animais selvagens e peçonhentos e forças destrutivas.

Mas era a vocação do Homem espalhar o Paraiso sobre toda a terra subjugando e superando o hostil e restritivo, e, finalmente, como se fosse uma espécie de exorcismo, expulsar os poderes demoníacos dessa mesma terra .

A Morte está indissoluvelmente ligada ao Pecado

"A morte entrou no mundo pelo pecado", ligado ao livre arbitrio dado por Deus ao homem pois Deus dotou as Suas criaturas com um excedente de liberdade e independência.

Foi a vontade de Deus que deveria haver um reino de liberdade e amor, e que esta deve ser efectuada ao longo do caminho da liberdade.

Deus era, portanto, obrigado, por assim dizer, a concordar com a dupla possibilidade, a autorização para todos os abusos de liberdade, mas assegurando que no final do processo, traria a vitória final do reino da luz e do amor, porque, em relação ao mau uso da liberdade, A Omnipotência reservou para si o seu basta "Até aqui e não mais!", ou seja a liberdade existe mas tem um limite aposto pelo Criador como postulado da própria criação.

Antecedentes históricos

Entre os anglo-saxões existe um documento do Rei Edgar, do século X, que diz após Deus ter banido os anjos da terra depois da sua queda, que haviam reduzido essa mesma terra ao caos, Ele nomeou reis, a fim de que a justiça reinasse .

E no sétimo século, o célebre poeta anglo-saxão Caedmon começa seu poema bíblico, descrevendo a terra como tendo-se tornado sem forma e vazia, em consequência da queda dos anjos.

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