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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A Historia dos 10 Touros-Parte 1






I. Procurando o Boi

POEMA
O fato é que o Boi jamais se havia perdido,
porque é que então se deveria procurá-lo ?
Tendo virado suas costas à Verdadeira-Natureza,
não pode por isso enxergá-lo.
Por causa de suas contaminações , não pode vê-lo.

PROSA
Repentinamente ele se depara com um emaranhado confuso de encruzilhadas.
Cobiça de ganho mundano, medo de perda, se erguem como labaredas enormes, ideias de certo e de errado surgem como punhais.
Desolado caminhando pelos arbustos, e temeroso das selvas,eis que ele busca o Boi, não o encontrando.
Para cima e para baixo, em rios sombrios desconhecidos e ameaçadores,nos bosques das montanhas profundas, ele percorre muitas trilhas.
Muito cansado, com o coraçao exaurido, ele prossegue em sua busca por este algo que ainda não consegue localizar.
De noite ele ouve o som das cigarras, chilreando nas arvores.


EXPLICAÇÃO
Este texto trata da busca do Si mesmo. Aqui, o Boi é o verdadeiro Eu mesmo.
No primeiro desenho, vemos o rapaz que parte a procura do Boi, o que quer dizer que ele busca a si mesmo.
Na frente do templo de Delfos pode ser lida a inscrição,"Conhece-te a Ti mesmo".

Quando ficamos sabendo da morte de alguém, esta novidade não nos preocupa muito.
Todos os dias, não sómente em Portugal mas tambem no mudo inteiro, vemos na televisão imagens das guerras e seus mortos, da fome, a miséria das crianças, os assassinatos...Nesse momento, isto nos atinge, mas como as imagens continuarn a desfilar e nos falam de coisas completamente diferentes , do desporto, da economia, etc.,nos esquecemos muito rapidamente das imagens precedentes.
Entretanto, ao ver estas imagens , algumas pessoas , inconscientemente, sentem subitamente um desconforto e começam uma busca.
Busca do quê?
Não sabemos o que estamos buscando, mas buscamos. É um pouco como quando estamos num nevoeiro: nao sabemos de onde estamos vindo e para onde estamos indo.
Se algumas pessoas sentem um desconforto, é porque, para elas, todas as coisas perdem o valor, tudo se desmorona, tudo fica sem sentido. Até então, o mundo que nos cercava tinha um sentido: ter uma familia, uma casa, um carro, dinheiro, tudo isto estava perfeito, mas algo se passou que nos fez perder este sentido de seguranca. Cada um de nós está consciente que falecerá, mas que não sabemos quando. Podemos morrer hoje, ou amanha, a morte nos surpreenderá então quando ainda temos tantas coisas a fazer!Quando acontece a morte de alguém proximo a nós, uma pessoa talvez vá beber vinho até ficar bêbado para esquecer seu medo, enquanto que um outro vai talvez ficar muito sério e se perguntar o que fazer de sua vida.Se um de nossos parentes - pai, mãe, marido ou esposa - falecerem, sofremos muito, mas como não se trata de nossa própria morte, este sofrimento, se bem que profundo, se esvai com a acção do tempo. Quando se trata de um amigo, ou do amigo de um amigo, dizemos: "Ah sim! Ele faleceu, ele era tao novo!" e rapidamente nos esquecemos. Entretanto, para nós tambem, o tempo está ali,estamos condenados a morrer.

Mestre Dogen diz que o mais importante é a qualidade do despertar face à morte .Certas pessoas parecem ser pessoas despertas, elas acham que estão despertas,mas nao estão.
Num outro capitulo do Shobogenzo, Mestre Dogen especifica: É necessario despertar, mas uma só vez não basta, é preciso despertar muitas vezes, constantemente. Se isto nao acontecer, este estado de despertar do corpo e mente que chamamos bodaishin se parece ao olho de um peixe que apodrece rapidamente ao sair da água. A fim de dar a este bodaishin as qualidades de uma pérola, é preciso poli-la constantemente. Se cedermos à preguica, este estado imediatamente desaparece. Existem numerosas razões que nos impelem a buscar o despertar mas Mestre Dogen insiste sobre a tomada de consciencia da Impermanência. Se bem que saibamos o que é a Impermanência deste mundo, não compreendemos realmente o principio da Impermanência. Perdemos tempo com coisas futeis, não praticamos frequentemente , não estudamos , porque as cidades são grandes e existem muitas oportunidades para nos divertir e passear por aí. Mas o fato é que a pratica ás vezes lembra-se de nós....

Na realidade, este boi nunca se extraviou, nós nunca o haviamos perdido , simplesmente o tinhamos Esquecido . No momento que comecamos a procurar o boi, o Diabo aparece e colocamo-nos em marcha à procura de algo no exterior de nós mesmos e assim nos distanciamos de nós mesmos.
Um exemplo: eu estou aqui. Se fico aqui , estou comigo mesmo, mas se eu começo a procurar, vou procurar fora de mim mesmo. Esta viagem em direcçao ao externo, este longo caminho para em seguida voltar a si mesmo, isto é o Diabo. 0 fato de procurar tem por consequencia instalar uma distância em relação a si mesmo, de onde provem esta pergunta: já que desde a origem não perdemos nada, porquê procurar ? Este "porquê" é o grande problema.

Quando entramos num mosteiro, existem muitas coisas a serem estudadas. Certas pessoas obedecem regras sem jamais duvidar, enquanto que outras colocam perguntas: Por que fazer uma tal coisa? Por que fazer desta forma? Prefiro fazer de outra forma. Porquê? Porquê?
Entre os monges que treinam no mosteiro, alguns nao pensam, somente praticam. Tal atitude nao é boa. Com efeito, ao fim de um ano, a pessoa acaba dominando todos os rituais, sabemos perfeitamente como utilizar o oryoki (as tigelas), como usar o kesa,como fazer as cerimonias, como bater o sino, o gongo... não é preciso se preocupar com alojamento e com despesas ou questoes de dinheiro, é simples e confortivel, que consiste em fazer aquilo que é esperado de você sem que haja uma motivação verdadeira ou uma inspiracao de sua parte. mas é perigoso porque isto vira uma rotina.É uma atitude perigosa.
Como entao encontrar uma atitude justa?
Mestre Eckhart dizia que quem é virgem sempre segue a ovelha, não importa para onde esta vai, para coisas dificeis ou para coisas faceis. Quando tudo está facil , todos ficam felizes e vão atrás das circunstâncias, mas quando subitamente tudo fica dificil, então não é tão fácil.
É como no zen: quando a prática fica dificil, nos encontramos diante de uma porta estreita que temos que ultrapassar. Esta passagem não é acessivel a todos: o frio fica marcante, o medo se instala, atingimos as alturas,"alturas" querendo dizer estar profundamente instalado no coração de sua propria solidão onde não podemos contar com nada excepto nós mesmos. Entretanto, este momento é muito importante, e é preciso continuar a avançar em frente. A constância do praticante zen é parecida àquele que é virgem e que simplesmente segue as ovelhas.

Este rapaz do primeiro desenho ainda nao encontrou o boi e está completamente perdido; não sabendo quem ele é, ele ignora o que é aquilo que ele busca, nao sabe sequer para onde se dirigir, ele está realmente completamente perdido."Estar perdido" não é um problema que possamos arrumar de forma intelectual, é uma sensação que invade o corpo e o espirito. Nesse momento, é muito dificil encontrar alguém que possa nos auxiliar a despertar o Eu , mas apesar de tudo, é preciso continuar a buscar, infatigavelmente, não importa em que condições.
Mais uma vez, de onde vem esta vontade de busca? As teorias budistas dizem que é a natureza de Buda que desperta. Desde a origem você jamais esteve perdido, mas quando busca, a natureza de buda desperta e quer te ver. A natureza de buda deseja que você seja realizado neste mundo, com este corpo e esta mente.

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