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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

A Imaginação segundo Jacob Boehme

 


A Imaginação segundo Jacob Boehme

Em Jacob Boehme, a sua visão da existência e do mundo, e do próprio espiritual, não são convencionais e, em muitos aspectos, são difíceis de entender.

O Deus de Boehme, por exemplo, não ocupa nenhum lugar ou espaço, não existe no tempo, não pode ser pensado, e é referido por ele como sendo o Nada primordial.

Num espírito heterodoxo semelhante, William Blake escreveu: "Não procures o teu pai celeste... além dos céus / Lá, mora o Caos e a Noite Antiga", e "A IMAGINAÇÃO... é o próprio Deus".

Ambos opunham-se a uma crença literal numa supervisão de Deus nos céus.

Para eles, tal visão coisificava o divino. Como o seguidor de Boehme, William Law, declarou sobre os seus escritos, "não há nada que seja sobrenatural, por mais misterioso que seja".

Ao longo dos seus escritos, Boehme enfatiza que "pode acontecer não ser compreendido com clareza suficiente pelo leitor desejoso" e que "será como alguém totalmente mudo para os não iluminados". Na Aurora, ele afirma que quando a imaginação espiritual ativa está verdadeiramente viva nele, "Eu absoluta e infalivelmente acredito, sei e vejo...; no entanto, não na carne, mas no espírito, no impulso e moção de Deus... Nem é esta a minha vontade Natural, que eu pudesse fazê-lo pela minha própria pequena habilidade; porque se o Espírito fosse retirado de mim, então eu não poderia saber nem compreender as minhas próprias Escritas". Este reconhecimento das limitações dos nossos modos usuais, muitas vezes condicionados e habituais de percepção e compreensão é essencial. É necessário um tipo diferente de envolvimento e compreensão do mundo e da existência nele.

Boehme via a imaginação como algo profundamente diferente da fantasia. Ao contrário da concepção comum, essa imaginação não é sobre o faz-de-conta, a criação do fantástico, nem é a realização dos desejos. Boehme considerava-a como uma parte essencial da vida, um meio de romper o "círculo enfadonho" da "ratio" da razão abstrata, do já conhecido e através daquilo que é diferente e que está para além de nós. É um meio de nos colocar mais em contato - e mais dentro - do mundo, agindo como uma ponte entre o indivíduo que experimenta e aquilo que é experimentado. Ajuda a enraizar-nos na experiência da vida. Como Boehme colocou, "a Essência exterior não atinge o interior da alma, senão pela imaginação". A imaginação pode, portanto, fornecer uma forma mais plena e verdadeira de conhecimento e de compreensão. Como Evelyn Underhill percebeu, "O verdadeiro misticismo é ativo e prático, não passivo e teórico. É um processo orgânico vivo, algo que todo o ser faz; não algo sobre o qual o intelecto tem uma opinião."

É notável que, em contraste com muitos místicos e visionários, Boehme deu uma grande importância às atividades dos sentidos. Concebendo uma elevação imaginativa dos sentidos e das emoções que manifesta o eterno e divino, Boehme fala da "harmonia do ouvir, ver, sentir, saborear e cheirar" que é "a verdadeira vida intelectiva". Quando a faculdade racional é integrada, como deveria ser, com todas as faculdades, a verdadeira Razão prevalece. Boehme é um visionário. A percepção está no cerne do seu trabalho, assim como o envolvimento imaginativo de todos os sentidos. O corpo é, portanto, uma parte necessária de todo o ser. Isto está de acordo com Boehme, que viu que sem um corpo o "Espírito é vazio... não há compreensão... o próprio espírito não subsiste sem um corpo".

Embora a imaginação nos ajude a colocar-nos mais plenamente no mundo como ele é, a sua relação com este mundo é ao mesmo tempo criativa. Embora Boehme não se encaixe nas ideias convencionais do que constitui ser um artista, ele pode ser visto igualmente criativo num sentido mais amplo. Embora o esquema visionário de Boehme - o surgimento do divino a partir do abismo insondável, as atividades das sete propriedades e dos três princípios, e assim por diante - seja muito complexo e entrelaçado para ser discutido em detalhes aqui, pode-se notar que nesse esquema ele dá ao espírito criativo uma forma individual, pessoal. O seu sistema visionário não é um conjunto de idéias, uma construção lógica; nem é uma descrição simples ou direta dos movimentos da divindade; nem é uma declaração do que a divindade é ou não é - antes, é um meio imaginativo para abordar o divino. Neste sentido, pode-se argumentar que, na sua obra, Boehme criou a sua própria forma de arte individual. Como ele escreveu: "Um verdadeiro cristão é uma palavra em contínua formação na voz de Deus". A sua visão é dinâmica e imaginativa, e de acordo com a sua visão de que a realidade não é fixa, acabada e imutável e, portanto, capaz de ser plena e finalmente compreendida e explicada. Em vez disso, está a caminhar, em evolução, em constante expansão. Como ele escreveu sobre a natureza da investigação espiritual na Aurora: "o Ser de Deus é como uma Roda, em que muitas rodas estão feitas uma na outra, para cima, para baixo, em formas cruzadas e, ainda assim, continuamente giram todas juntas... Quando um ser humano vê a roda, fica muito maravilhado com ela, e não consegue imediatamente, no seu girar, aprender a concebê-la e apreendê-la: mas quanto mais ele olha para a roda, mais ele aprende a sua Forma ou moldura; e quanto mais ele aprende, maior Anseio ele tem pela Roda; pois ele continuamente vê de alguma forma, que é cada vez mais maravilhosa, de modo que um ser humano não consegue nem contemplar nem aprender o Suficiente."

A realidade é inesgotável e, quando apreendida com imaginação, revela continuamente novas possibilidades. De acordo com isto, os escritos de Boehme abraçam e nutrem uma compreensão progressiva, cada vez mais profunda e criativa. Boehme enfatiza a necessidade de cada indivíduo encontrar e interpretar novamente as verdades que "residem no seio humano". Boehme escreve "Um, entende sempre de forma diferente de um outro, na medida em que cada um é dotado de Sabedoria; e portanto também ele a apreende e a explica".

O olho da imaginação não olha apenas para fora, por assim dizer, e assim nos coloca mais firmemente no mundo ao nosso redor, mas também para dentro. Em muitos aspectos, os escritos de Boehme fornecem uma visão profunda sobre o funcionamento da mente humana. O seu trabalho pode ser visto, como Friedrich Schleiermacher e Robin Waterfield disseram de Boehme, como "psicologia esotérica", ou "psicologia das profundezas". Aquilo que é outro para além de nós, para além da 'ratio' do nosso 'Poder de Raciocínio', também está dentro de nós, e a imaginação é um meio importante de nos colocar em contato com ele. Vitalmente, Boehme compreendeu que existem profundas capacidades latentes em cada indivíduo que, na sua maioria, permanecem inexploradas e não realizadas: imensas possibilidades que fazem parte das possibilidades que são naturalmente inerentes a nós, que são o nosso direito por termos nascido. Boehme escreve: "No Ser Humano está tudo sobre o que o sol brilha, ou o Céu contém, como também o Inferno e todas as Profundezas; ele é uma Fonte inesgotável, que não é capaz de secar".

Boehme distingue entre uma forma inferior de compreensão que está ligada, como ele disse, por um lado à "vida natural, cuja base está num começo e fim temporais", e. por outro lado. um conhecimento imaginativo, vivo e superior que é capaz de "entrar no terreno sobrenatural onde Deus é compreendido". Grande parte do trabalho de Boehme é direcionado às maneiras pelas quais os seres humanos estão desligados da consciência de todo o potencial que está dentro deles. Boehme equiparou esse exílio à Queda do Ser Humano. No Mysterium Magnum, Boehme afirma que Adão "perdeu os seus olhos puros, claros e estáveis, que eram de essência divina", e que essa essência "permaneceu no ser humano, mas que ela é como um nada para o ser humano na sua vida; pois está oculta".

O racionalismo desencarnado é uma das fontes principais dessa perda. A religião mundana também pode desligar o indivíduo da vida interior. Boehme lamentou que "Os nossos sacerdotes se empenharam de Pés e Mãos com Força e Poder, com o seu máximo Esforço, pela Perseguição e Reprovação... [e dizem] que o ser humano não deve [ousar] pesquisar, nos Solos profundos, o que é Deus; os Seres Humanos não devem pesquisar, nem intrometerem-se com curiosidade, na Divindade". E assim, como Boehme acrescenta, "o Templo de Cristo foi transformado em Templos feitos de Pedras, e a partir do Testemunho do Espírito Santo uma Lei Mundana foi feita. Então, o Espírito Santo não falou mais livremente, mas tem que falar de acordo com as Leis deles... e assim o Templo de Cristo no Conhecimento do Ser Humano tornou-se muito obscuro". Como resultado, Boehme acreditava que muitas vezes o Anticristo tinha sido confundido com Deus, e que existem, nas suas palavras, "duas... Igrejas na terra; uma que busca apenas... o Deus exterior... onde... reside o filho da Serpente. A outra, que busca a criança Virgem e o reino de Deus... tem que sofrer por ser perseguida." Se "o filho da virgem... não se manifesta... o diabo manifesta-se".

Os escritos de Boehme fornecem a resposta: o "Espírito de Cristo em Deus não estará sujeito a nenhumas Leis", pois o Ser Humano no Paraíso "não tinha Lei, mas apenas a Lei da Imaginação". Ele acrescenta que "o Espírito de Deus não pode ser julgado pela razão".

Com isto em vista, Boehme entendeu que cada indivíduo deve, nas palavras de Boehme, "buscar e encontrar a si mesmo... pois todas as coisas são geradas pela imaginação... e cada imaginação colhe o seu próprio trabalho que ela criou". Para ele, a vida espiritual está centrada na experiência interior, viva e pessoal: "tu mesmo deves ser o caminho, o entendimento tem de nascer em ti... tu tens que entrar nele, para que o entendimento... possa ser aberto para ti". Émile Boutroux observa, sobre a visão de Boehme: "Um método vivo, apenas, nos permite penetrar nos mistérios da vida. Ser, apenas, conhece ser." Ser, apenas, conhece ser. Este é um ponto essencial. A autoridade máxima reside no potencial infinito dentro do indivíduo. Boehme pergunta: "Como é que tu não poderias ter Poder e Autoridade para falar de Deus, que é o teu Pai, de cuja essência és tu?" Quando "falamos do Céu e do Nascimento dos Elementos, não estamos a falar de uma coisa distante de nós, ou de uma coisa que está distante de nós; mas nós falamos de Coisas que são feitas no nosso Corpo e Alma; e não há nada mais próximo de nós do que este nascimento, porque nós vivemos e nos movemos nele, como na Casa da nossa Mãe; e quando nós falamos do Céu, nós falamos do nosso país natal".

Como Boehme entendeu, "O Espírito que está em nós, que um Ser Humano herda do outro, que foi soprado da Eternidade para dentro de Adão, esse mesmo Espírito viu tudo, e na Luz de Deus ainda o vê; e não há nada que esteja longe, ou seja Insondável". Mais uma vez, este 'Espírito' é naturalmente inerente a nós. E sabendo disso, Boehme pergunta: "Onde irás tu buscar a Deus? Nas Profundezas acima das Estrelas? Tu não serás capaz de encontrá-lo lá. Busca-o no teu coração." Este "Nascimento tem de ser feito dentro de ti: O Coração, ou o Filho de Deus, tem de surgir no nascimento na tua Vida; e então, o Cristo Salvador é o teu pastor fiel, e tu estás Nele, e Ele em ti".

Olhando para fora e para dentro, a imaginação explora a relação entre o indivíduo e o divino. Boehme declara: "Tu tens de elevar os teus sentidos ou mente no Espírito se pretendes entendê-lo e apreendê-lo". O visionário procurou despertar a mente dos seus modos usuais, muitas vezes habituais, de compreensão e percepção, até uma consciência real e viva dos termos limitados em que a vida muitas vezes pode ser vivida. Uma dessas limitações é a suposição de que simplesmente vemos as coisas como elas são, que os nossos olhos vêem fiel e completamente o que há no mundo, quando na verdade a realidade como a entendemos é filtrada por nós. Novamente, Boehme acreditava que a vida não é dada e fixada. O ser humano não é apenas uma tabula rasa na qual a realidade se escreve. Nas palavras de Boehme, "assim como é o espírito, assim é a essência": a essência aqui é aquilo que é produzido pelo 'Espírito' que percepciona e, portanto, determina. A responsabilidade encontra-se no indivíduo. Quando estamos demasiado isolados da nossa imaginação e das possibilidades profundas dentro de nós, o mundo, que é visto e experimentado, encolhe.

Por outro lado, quando a imaginação está a funcionar adequadamente nos mundos exterior e interior, ambos ganham mais vida. Como Boehme declarou, a alma é "poderosa... ela pode, por magia, alterar todas as coisas, sejam elas quais forem, na essência do mundo exterior e introduzi-las dentro da nossa essência". Todo "Ser Humano é livre e é como um Deus para si próprio". E "Deus não é uma Criatura, também não um Criador, mas Espírito e um Abridor" Por outras palavras, por meio da imaginação, experimentamos mais; e aquilo que experimentamos - e assim entendemos - cresce, expande-se. Mais uma vez, a imaginação coloca-nos mais em contato com - incorpora-nos - mais à realidade, e apreciamos melhor que ela é inesgotável e em constante expansão. Vital, para isto, é a compreensão de que o mundo exterior e o interior não estão separados, mas envolvidos num inter-relacionamento dinâmico e profundo. A existência não é finalmente redutível às categorias fixas de sujeito e objeto. Para Boehme, a vida espiritual não está isolada dentro do indivíduo, separada de um mundo exterior que permanece impassível e intocado por ele, nem que, para além de nós, só existem as nossas experiências. Ele percebeu que o espírito não pode ser verdadeiramente apreendido como um objeto de conhecimento ou um estado meramente subjetivo. Ele vive por meio da interação dos mundos interior e exterior aparentemente separados do ser humano, permitindo-nos perceber que tudo o que vive é sagrado.


Há um espírito de paradoxo dinâmico em ação aqui, a saber, que o divino está e não está em ação no mundo. Boehme escreve sobre isto no Tratado da Encarnação: "Deus não reside neste Mundo no Princípio Exterior, mas no Interior; ele realmente reside no Lugar deste mundo, mas este mundo não o apreende". Da mesma forma, "o Paraíso não brota mais através da Terra, porque ele se tornou num Mistério, mas no entanto ainda está continuamente lá... Está dentro deste Mundo, mas no entanto está fora deste Mundo". Abordando isto de outro ângulo, Boehme escreve em A Assinatura de Todas as Coisas, numa das suas passagens mais conhecidas, que "Todo o mundo exterior visível, com todo o seu ser, é uma assinatura do mundo espiritual interior... Este mundo [interior] manifestou-se... com este mundo visível, como uma semelhança visível, para que o ser espiritual possa manifestar-se numa essência corpórea compreensiva... o interior observa o exterior diante de si como num espelho, no qual se contempla a si próprio... o exterior é a sua assinatura." Por outras palavras, o exterior reflete a vida interior de volta para si mesmo. Boehme escreveu: "Sem a luz da Natureza, não há compreensão dos mistérios divinos".

Neste sublime inter-relacionamento, a vida espiritual interior é primordial. Boehme acreditava que no Paraíso o primeiro ser humano "viu com olhos puros... O ser humano interior, que é o olho interior, viu através do exterior." O eu espiritual interior olha para fora e vê através do exterior. Quando este olho imaginativo está engajado com o mundo, aquilo que foi drenado de vida pelo hábito e pela superfamiliaridade, pela 'ratio', o 'círculo enfadonho' daquilo que já conhecemos, é visto e experimentado novamente, como se pela primeira vez.

Por meio da imaginação, experimentamos um sentido muito maior da realidade plena da existência - isto é, realmente vemos, sentimos e sabemos como é surpreendente, quão extraordinário é estar vivo no mundo. E como o mundo exterior não está isolado da vida imaginativa e criativa do interior, a realidade do mundo ganha vida. Como "tudo o que vive é sagrado", o mundo exterior "reflete de volta" a vida do espírito. Como Boehme percebeu, "se o ser humano nasceu de Deus, ele pode conhecer em cada Folha de Relva o seu Criador, no qual ele vive". Esta é uma expressão perfeita da unidade dinâmica entre o exterior e o interior, e da necessidade de estar imaginativamente vivo para o único e individual: vivo para os mínimos detalhes da vida.

A imaginação cria a ponte entre, torna possível, a consciência da inter-relação entre o humano e o divino. A crença de que "Deus apenas Age e É, nos seres existentes ou nos Seres Humanos" também está em Boehme, que argumentou que Deus "se manifestou no Mundo exterior numa semelhança, para que o espírito pudesse ver-se essencialmente no Ser, e não tão sozinho, mas para que a Criatura da mesma forma pudesse contemplar e observar o ser de Deus na Figura, e conhecê-lo". Por meio da semelhança, Boehme explora a relação entre Deus e o homem. Ele viu que ele "deveria formar e modelar figuras e imagens sagradas com a minha boca e expressão; da mesma forma que Vós, ó Deus eterno, formaste e emoldaste tudo por meio do Vosso santo Nome". A relação entre o homem e o divino pode, assim, ser considerada, com ressalvas, como uma relação de interdependência.

Para elaborar sobre isto, Boehme considerou o mundo exterior como "um Modelo ou Plataforma formada, onde a Grande Mente da Manifestação Divina se observa a si própria num Tempo e brinca com ela própria". Boehme identificou aquilo onde a "Grande Mente... se observa a si própria" como sendo a Sofia, o espelho da Sabedoria. A Sofia é o "Vidro" no qual, olhando através e não com o olho, nós vemos o divino: "Ela é a Substancialidade do Espírito, que o Espírito de Deus veste como uma Veste, pela qual ele se manifesta, ou então a sua forma não seria conhecida: porque ela é a Corporeidade do Espírito, e embora ela não seja uma substância corpórea palpável, como os Seres Humanos, ainda assim, ela é substancial e visível, mas o Espírito não é substancial. Porque nós, Seres Humanos, não podemos, na Eternidade, ver mais o Espírito de Deus, mas podemos ver apenas o Relance da Majestade; e o seu glorioso poder sentimos em nós, porque é a nossa vida... Mas nós conhecemos a Virgem em todas as suas Similitudes ou Imagens Celestes [enquanto] ela dá um corpo a todos os frutos, ela não é a Corporeidade do fruto, mas o Ornamento e o Brilho."

Para Boehme, a semelhança, em última análise, direciona a imaginação para a "Imagem Divina", Cristo. Como Boehme afirma no Mysterium Magnum, a "alma não pode ver Deus, exceto apenas na imagem do recém-nascido: apenas através da, e na, virgem Sofia... no nome de Jesus". Ninguém "pode ver Deus, a menos que Deus primeiro se torne Ser Humano nele". Onde Boehme fala do "jogo do amor" da imaginação no espelho da Sofia, Blake escreve sobre "os desportos da Sabedoria na Imaginação Humana / A qual é o Corpo Divino do Senhor Jesus". A 'imagem' deste 'Corpo Divino' é uma 'forma' da qual a imaginação humana pode 'tomar conta'. A imagem da Encarnação de Cristo "reflete de volta" para nós a nossa própria natureza corporificada e o potencial espiritual inesgotável dentro de nós; um potencial que Boehme localiza em Cristo. Como Boehme escreveu, "o Chão mais interior dentro do Ser Humano é... Cristo". A "Alma Humana é uma Centelha do... divino". Para o visionário, a imaginação une-nos a Cristo.

O trabalho de Boehme é direcionado para a revelação do Cristo unitivo e residente no interior que, como Boehme acreditava, "trouxe a Imagem Divina para dentro... da Alma: E isto é feito pela Imaginação". Ao mesmo tempo, como o mundo exterior e o interior não estão afinal separados, mas inter-relacionados, entendeu que a imaginação não só nos une com Cristo dentro de nós, mas também, como parte de uma única e mesma realização, com Cristo no mundo fora de nós. Assim, Boehme declara: "Deus tem que tornar-se homem, o homem tem que tornar-se Deus; o céu tem que se tornar uma única coisa com a terra, a terra tem que ser convertida no céu". Por meio da vida imaginativa do Cristo residente no interior, as distinções de exterior e interior desaparecem, revelando a unidade e identidade definitivas dos dois.

Em particular, a imaginação é vital, porque ajuda a colocar-nos em contato com o que é diferente de nós, no mundo exterior, principalmente com as outras pessoas. Como Boehme viu, "só há Um Deus... quando o véu é afastado dos teus Olhos, para que o vejas e o conheças a ele, então também verás e conhecerás todos os teus irmãos". Todos os "seres humanos são apenas um ser humano... Deus criou-o apenas a ele, e as outras criações, ele deixou-as para o ser humano". Quando a razão está muito desligada de todas as outras faculdades e capacidades humanas, ela pode abstrair-nos da nossa humanidade. A imaginação incorporada humaniza-nos, coloca-nos no mundo como seres humanos e coloca-nos em contato com todas as possibilidades que isso traz consigo. E quando isto acontece, a verdadeira Razão pode funcionar.

A fecundidade abrangente do ser humano espiritual interior é a fonte da "variedade infinita" no exterior. Explorar o nosso potencial por meio da imaginação, Boehme encoraja-nos e incentiva-nos a fazer novas descobertas e a criar novas formas de vida espiritual. Ele trabalhou contra a circunscrição da realidade. Para ele, a realidade é inesgotável e frequentemente está em profundidades além da aparência superficial; e qualquer forma predominante de pensamento e compreensão é apenas parcial. Nas palavras de Boehme,

"A palavra... que começou com o começo do mundo, ainda está... a criar".

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