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sábado, 8 de agosto de 2020

Eu rezo a Deus para me livrar de Deus !!!!


A nossa educação religiosa forma a nossa herança de imagens de Deus, que pode muito bem ser um obstáculo adicional para nós, no caminho espiritual.    

Devemos tomar consciência de como as nossas ideias sobre Deus não são moldadas apenas por factores sociais e culturais, mas são, também, distorcidas pelos nossos condicionamentos, os nossos medos pessoais, esperanças e necessidades.    

Elas são, muitas vezes, um produto do princípio da nossa infância, ligado às nossas atitudes, especialmente, para com os pais e os professores.

Todas as imagens são um produto do ego.

Nomeando “Deus”, sentimos que conhecemos a Realidade Divina; por ter formado uma imagem clara d’Ele/Ela, o ego sente que está seguro e que mantém o controlo.

Mas “nomear” não é “conhecer”.

Fomos feitos "à imagem e semelhança de Deus" (Génesis). Mas, ao invés de o entender como tendo a imagem e semelhança divina dentro de nós, tomamos isto ao pé da letra e, consequentemente, transformamos Deus na nossa própria imagem e semelhança condicionadas:

"A maioria das pessoas está fechada no seu corpo mortal, como um caracol na sua concha, enrolada nas suas obsessões, como se fossem ouriços. Elas formam a sua noção do carácter bendito de Deus, tomando a si mesmas como modelo." (Clemente de Alexandria, séc. II)

Muitas vezes, quando nos tornamos “agnósticos” ou mesmo “ateus", foi a nossa imagem de Deus que morreu.

O grito de Nietzsche de que “Deus está morto” é um exemplo notável disso. Ele já não podia aceitar o Deus da sua infância e, jogando o bebé fora com a água do banho, descartou a crença em Deus junto com a ideia infantil que d’Ele tinha.

As Escrituras Cristãs mostram-nos, claramente, como funciona este processo: as nossas imagens reflectem o tempo em que vivemos e aquilo de que necessitamos.

Vemos uma sequência de imagens de Deus ligada à evolução social da Humanidade.


Em primeiro lugar, encontramos o Deus tribal da Bíblia Hebraica: todo-poderoso, protector, generoso, impressionante, mas, também, distante, volúvel e imprevisível, tal como a natureza, da qual as pequenas comunidades, frequentemente migratórias, estavam tão dependentes.

Depois um Deus mais imparcial, omnipotente e omnisciente, não tão distante, um governante justo, como o rei ideal de que uma comunidade estabelecida ou cidade-estado da época necessitava.

De seguida, encontramos o Deus de Amor do Novo Testamento, reflectindo a necessidade de paz e de serviço, numa comunidade maior, consolidando relacionamentos.

Mas Deus não muda – apenas mudam as nossas imagens.

Mesmo que saibamos que não podemos abranger o Divino com palavras e pensamentos, em geral, consideramos muito difícil relacionar-nos com algo "inominável, inefável e ilimitado". A mente humana precisa de imagens – é assim que ela é feita; faz parte do nosso ser físico, neste nível de realidade de tempo e espaço.

Mas precisamos lembrar-nos de que Deus é muito mais do que as nossas imagens e olhar, através delas, para a Realidade para a qual elas apontam.

Como diz um provérbio budista, são os dedos que apontam para a lua e não a própria lua.

Ao tratar as nossas imagens como a realidade, ignorando que elas são apenas sombras do real, nós, na verdade, criamos ídolos a partir das nossas imagens. Mas precisamos de destruir esses ídolos.

Mestre Eckhart (místico alemão do século XIV) dizia com muita propriedade: "Por isso é que eu rezo a Deus para me livrar de deus" (me livrar das minhas imagens de Deus).

Este provérbio é muito semelhante ao provérbio budista: "Quando encontrares o Buda na estrada, mata-o".

É a Divindade que está para além das nossas imagens a que estamos intimamente ligados e as imagens apenas escondem essa realidade.

A meditação, com a sua ênfase em abandonar as palavras e imagens, ajuda-nos a abandonar as nossas imagens falsas, os nossos ídolos, e a entrar na experiência sem palavras de Deus.  

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