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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Afinal qual foi o crime de Lúcifer?





O Bem e o Mal 
 segundo Jacob Boehme 




A doutrina boehmiana do Bem e do Mal é das partes mais importantes da sua obra.

O pensamento de Boehme é baseado na lógica do contraditório, sendo a unidade dos contraditórios uma de suas ideias essencias.
Deus mesmo é a encarnação dessa unidade de contraditórios : ‘Pois o Deus do mundo santo e o Deus do mundo tenebroso não são dois Deuses, há um único Deus, Ele mesmo é todo o Ser, essência e substância; Ele é o bem e o mal, o céu e o inferno, a luz e as trevas, a eternidade e o tempo, o inicio e o fim.

Assim o bem e o mal não existem per si, aparecem quando há disfunções-perturbações-desiquilibrios no ciclo setenário do plano divino.

O mal e o bem surgem quando nesse ciclo existem interrupções, absolutizações de certas qualidades e mudanças de orientação do desenrolar do ciclo, e o mal aparece então como resistência a esse ‘novo’ movimento, resistência essa que pode ser positiva-equilibrada com o bem ou negativa-desiquilibrada com o mal (neste último caso, se pode considerar o mal como tudo o que se opõe a esse ‘novo’ movimento e a Deus, Deus aqui simbolizando a necessidade desse ‘novo’ movimento’ como criador de vida ) .

O mal é uma qualidade ontológica que não é positiva nem negativa, é uma resistência salutar estando equlibrada e tem esse lado positivo na medida em que é uma resistência equilibrada ao desenvolvimento do ciclo setenário, uma resistência salutar que condiciona o movimento.
Sem essa resistência equilibrada tudo seria devorado pelo fogo incomparável da fonte mágica da Realidade, ele é uma protecção contra esse fogo devorador.

É por isso ‘que nada existe na natureza que não tenha em seu interior as duas qualidades boa e má, tudo se move e vive nesse duplo impulso.’

O bem e o mal apararecem como duas qualidades ‘unidas uma á outra, constituindo uma só coisa, e isso em todos os pontos do Universo, estrelas , criaturas.....’
Mesmo ‘o reino do Céu e o reino do inferno estão ligados um ao outro, contudo um não pode apreender o outro’.
A função do inferno é a de ser ‘ a chama da cólera’ , e o movimento pode assim prosseguir , pois ‘ a chama da cólera é a revelação do grande Amor’.
A cólera é ‘a raiz da vida’ mas ‘sem luz, ela não é Deus , mas fogo infernal’.
Contudo o mal quando muda de função, quando se desiquilibra, torna-se uma catástrofe ontológica.

Quando a resistência salutar se transforma em oposição absoluta ao desenvolvimento do ciclo setenário e à interacção dos diversos ciclos, a ordem do mundo é transtornada.
A harmonia torna-se caos e a interacção construtiva é substituida por um movimento anárquico autodestrutivo.

Ao nosso nivel, a liberdade do homem tem esse preço, o de uma dificil e sofrida escolha (entre o equilbrio e o desiquilibrio), onde a vontade do homem tem um papel crucial .

A catástrofe ontológica do mal é simbolizada pela queda de Lúcifer.
Lúcifer nasceu como ser de luz vindo da própria essência de Deus, mas ‘inverteu’ o processo emanativo, violentando a natureza e corrompendo a manifestação divina, ‘abortando o nascimento de Deus’ por uma violència ‘deicida’.

Afinal qual foi o crime de Lúcifer?  




Foi olhar para trás para a sua própria fonte, mas ‘ele foi um insensato pois essa sua intenção não podia subsistir em Deus em sua qualidade ardente’.

Lúcifer dirigiu sua imaginação de volta ao centro buscando o Fogo (tal como este mundo busca poder e honra) , desprezou a Luz do Amor pois ela teria de brilhar para ele ( tal como este mundo pensa que a Luz deve servir á sua pompa) e quis inflamar-se mais intensamente para reinar sobre os tronos angélicos e sobre a Essência da Divindade que reside na doçura. 

Lúcifer era o mais belo mas quis ser também o mais poderoso, e ‘dirigiu-se para a Chama pensando assim se apossar da sede do Poder’.

Crasso erro que deu origem à sua queda e também do mundo actual.

Lembremo-nos da parábola da esposa de Ló, sobrinho de Abraão, que é transformada em estátua de sal por ter olhado para trás durante a destruição de Sodoma.

Assim somos nós, que olhando continuamente para trás (querendo mais do que nos é devido pela nossa ambição e orgulho desmedidos) e não estando focados no momento presente que muda a cada segundo, batemos com a cabeça num poste á nossa frente....e ainda nos queixamos...como se a culpa fosse de outrem....

Este nosso olhar para trás é o despertar da cólera de Deus que está oculta até o homem insensato a despertar, ‘qualificando-se’ ou ‘mesclando-se’ com a cólera mediante sua geração carnal, a mais exterior da natureza e que origina as muitas guerras da humanidade e a sua presente degeneração espiritual.
Com esse olhar para trás Lúcifer reverte a orientação do ciclo setenário.

Essa mudança de orientação não é inocente, pois cada qualidade do ciclo setenário se transforma em seu oposto.
Lúcifer é o criador de um ciclo setenário invertido que engendra a casa das trevas, a casa da morte onde só a morte vive.


Qual a solução deste problema para Boehme ?

É um processo árduo e dificil pois assenta na auto-observação, na atenção diária, num grande trabalho do homem , ‘ e o homem não pode provar-se melhor senão observando sériamente para onde seu desejo o impele ..’ .

É preciso que esteja atento pois tem de subjugar o espirito das estrelas ( o apego obcecado às coisas do mundo) que nele é dominante.

É preciso sobriedade de vida para escapar ás influências astrais que introduzem o desejo das estrelas ( do mundo) em sua vontade tão frágil.

Por isso não é fácil se tornar Filho de Deus , ‘requer muito trabalho, esforço metódico e muitas fadigas...’, pois o ‘espirito das estrelas impele continuamente o homem para a Roda da Angústia’.

O espirito das estrelas leva o homem a acreditar que seu corpo exterior tem poder.
Falso, esse corpo não tem poder algum para mover o mundo da luz, ele apenas se introduz no mundo da luz, fazendo com que ele se apague ( deixe de estar visivel-influente) no homem .

Nele só fica activo o mundo das tenebras mas o mundo da luz não desaparece mas fica oculto nele, à espera de melhores dias.....dos dias em que o homem se lembre de novo porque nasceu e de onde veio.
Como Deus morre para nascer assim o homem deve morrer ‘nesta vida’ para nascer.

Sua vida comporta, pois, dois nascimentos: o biológico e um auto nascimento.
Este auto nascimento é um nascimento do alto, a morte para si mesmo (do seu apego ao mundo), um processo singular e misterioso que se dá no segredo da vida interior.

A responsabilidade do homem é imensa, pois na perpectiva boehmiana, a não realização do seu ciclo setenário conduz a uma catástrofe cósmica : ao desaparecimento do Universo inteiro da criação no caos.
Por isso Boehme nos diz : ‘Busca a tua pérola, ela é mais nobre que este mundo’.


Nossas menores acções ou pensamentos têm dimensão cósmica, ‘o que semeias ou edificas em espirito, seja com palavras, obras ou pensamentos, virá a ser a tua eterna morada’!!


Boehme insiste : ‘Toma a tua cruz e caminha na paciência e na doçura, pois tu escolhes o teu destino quando a tua vontade, fruto do teu livre arbitrio, se dirige para a Luz ou para as trevas’.


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