Em Portugal existem Lugares Sagrados que começaram em cultos pagãos em grutas ou lapas, como diz o povo, e foram por assim dizer 'ocupados' por outros cultos posteriores, nomeadamente pelo cristianismo em Portugal.
Vamos agora visitar um dos lugares mais mágicos existentes em Portugal, a Igreja da Nossa Senhora da Lapa em Besteiros e que é merecedor de visita para quem vai no Caminho e onde o Caminhante encontra um horizonte de infinito e beleza natural que lhe recorda ainda mais a razão espiritual para a sua Caminhada e lhe acrescenta força para nela preservar sem desistir nem diminuir essa sua determinação apesar de todas as dificuldades e sofrimentos inerentes a esse processo espiritual de libertação.
A Serra de São Mamede é composta de escarpas graniticas e xistosas que abrigam numerosas grutas naturais.
Nessas grutas desde tempos imemoriais, entre 5 a 6.000 anos antes da nossa era, se abrigou o homem primitivo que aí encontrou protecção dos elementos, local de pernoita e sitio para as suas práticas religiosas.
Na Serra de São Mamede no distrito de Portalegre existem inúmeras destas grutas naturais com pinturas rupestres deixadas por esses homens primitivos e actualmente em fase de estudo cientifico pela Universidade de Evora.
Uma das grutas mais originais e com mais expressão religiosa situa-se perto da aldeia de Besteiros, freguesia de Alegrete.
Da aldeia de Besteiros até à igreja são 5 Kms em terra batida.
O local da actual igreja é numa escarpa granitica com a fronteira com Espanha logo mais a baixo onde corre um riacho e tendo uma vista imensa para os vales em frente já dentro de território espanhol.
A gruta original deve sua ocupação a uma fonte de àgua situada a 300 metros na encosta em frente e que permitiu que homens primitivos aí se instalassem e ai deixassem testemunhos em pinturas da sua presença.
Nessa gruta, esses homens primitivos, eventualmente, também praticavam seus cultos religiosos consoante suas crenças no Sagrado, sejam sacrificios ou oferendas.
O cristianismo, perante a tradição pagã fortemente mantida pelos povos locais, começou por erigir um pequeno altar na frente da gruta e mais tarde afastou esse altar para o local onde hoje se encontra, um pouco mais para a frente da gruta natural e começou a construir a estrutura que serviu de base à igreja actual.
Nos principios do cristianismo numa gruta adjacente à primitiva se instalou um eremita cristão, sendo essa gruta mais tarde ampliada para dar lugar a mais uma sala onde passou a residir um casal que guardava e cuidava da igreja.
Na igreja actual, por baixo do altar, existe uma portinhola que dá acesso á gruta original onde ainda se podem observar algumas pinturas rupestres .
Acesso esse que se faz de gatas, literalmente, por uma passagem estreita, antes de nos pormos em pé de novo no interior da gruta .
Acesso visto de dentro da gruta
A igreja abre apenas no dia de Festa anual, que é sempre no ultimo fim semana de Setembro.
Nessa festa antes e depois da celebração assiste-se a um invulgar, estranho e interessantíssimo ritual.
Sob o altar e através da baixa e estreita portinhola passam os crentes que querem visitar o milenar espaço de culto, a gruta natural, onde se guardam memórias de tempos muito recuadas.
Alguns dizem que ainda se vê, do lado esquerdo, a imagem de um cavaleiro, dizem que está pintada a negro mas que já é muito difícil observar.
Com velas na mão, as gentes, em fila, precipitam-se para o interior da gruta.
Quando lhe perguntamos porque o fazem, apenas nos respondem que sempre o fizeram e os seus antepassados já o faziam.
Qual ritual de passagem para um outro mundo original as pessoas curvam-se ou rastejam, à luz dos círios e transpõem o altar, o santo dos santos, para o outro lado.
As mães pela mão levam os mais jovens que de olhos arregalados procuram descobrir o mistério que se esconde para lá do altar.
E para lá do altar, depois de ultrapassado o estreito corredor entra-se na gruta, onde as memórias da ermida original, cristã se misturam com as imagens que os homens pré-históricos pintaram nas paredes deste abrigo, que também foi seu santuário.
Figura rupestre esquemática
Por entre os laivos de cal que ainda se conservam da primitiva ermida e se elevam sobre o derrubado muro do original altar descobrem-se, pintadas a traço grosso, de cor vermelha, imagens esquemáticas semelhantes às que se conhecem nos vizinhos abrigos pré-históricos da freguesia da Esperança.
Foi, há pelo menos 5000 anos, que os homens que por estas paragens deambulavam se serviram desta lapa para pintarem memórias da sua passagem, dos seus mitos, dos seus receios ou das suas devoções.
São traços esquemáticos que hoje dificilmente entendemos, mas que estão lá a testemunhar como 5000 anos depois os gestos se repetem.
Trata-se, em boa verdade, de um local único e de uma beleza natural que toca a quem Caminha.
Com uma paisagem deslumbrante, próximo de uma fonte, em frente da qual se abre um fértil vale, hoje, na sua maioria, terras de Espanha, o homem pré-histórico apropriou-se do abrigo natural e nas paredes da gruta aí pintou, com tinta indelével, mensagens que até nós chegaram.
Pelo menos na Idade-média a gruta pré-histórica foi resgatada pelo cristianismo.
Nos restos de uma primitiva construção adjacente viveria um ermita em meditação.
Nessa outra concavidade natural, provavelmente também com vestígios pré-históricos, mas esta totalmente caiada, desenvolve-se a casa da última família que aqui viveu e que da igreja tomava conta.
A memória desses tempos preserva-se no mais pequeno pormenor.
Os velhos leitos ainda estão preparados, a mesa, as cadeiras e os outros pobres “tarecos” parecem esperar pelo regresso dos seus velhos donos.
É mais um local de visita obrigatória.
Nos finais do século XVI ou nos inícios do século XVII a ermida é remodelada, adquirindo, genericamente, a traça que hoje ainda apresenta.
A igreja actual estava também na rota do contrabando entre Portugal e Espanha e diz-se que os próprios contrabandistas guardavam suas cargas dentro da igreja e imploravam á Senhora da Lapa a protecção para as suas actividades de subsistência, no jogo de gato e rato entre os contrabandistas e as forças da lei (perto ainda se encontra o antigo posto da Guarda Fiscal que com os Carabineiros espanhois tentavam evitar o contrabando nesta zona de fronteira).
O ritual da tradição actual tem o mesmo significado do culto pagão antigo.
Primeiro o povo oferece diversos tipos de comida à Senhora (ao Deus), essa comida é então pertença da Senhora, é por ela assimilada e sacralizada, depois segue-se o sorteio por rifas dessa comida, cujo valor reverte para a manutenção do espaço sagrado, e em seguida essa comida é partilhada pelas pessoas, que já comem o ‘alimento santo’ numa cerimónia de ‘interiorização’do sagrado, uma Santa Eucaristia, um bodo divino.
No fim da festa, a imagem da Senhora recolhe à casa do mordomo que a guarda o ano inteiro.
Está na hora da tourada, dos petiscos, do vinho e da cerveja e do bailarico.
Para o ano, no último domingo de Setembro a Srª. da Lapa voltará a visitar o seu multi-milenar templo.
Quem quiser visitar a igreja fora do periodo da festa anual pode contactar o Sr. Adelino Ricardo – 967 094 547 que tem a chave para combinar o dia e hora da visita .
Quem desejar visitar as restantes pinturas rupestres na zona, siga até à freguesia da Esperança e vá ao café local onde lhe darão as orientações necessárias para visitar os locais das mesmas.
Potenciar o local com informações históricas e outras, através de azulejos, percursos pedestres, roteiros, como meta de divulgação.
ResponderEliminarLogo que seja possível, irei visitar e participar.
Texto bastante elucidativo e que não deixa passar um leitor sem lhe outorgar a vontade de visitar este achado!
ResponderEliminarBonito texto... Mostra que a empresa igreja aproveitou bem o ritual ancestral para impor o seu próprio marketing, transformando o local que era de todos em património seu e mais uma vez aproveitando-se dos que seguem uma tradição bem mais longínqua e distante que a mais recente... Curioso povo adotar uma religião que sempre perseguiu aquela de quem se usou... Enfim... Pece a isso excelente descrição do lugar, ritual e história excelente mesmo parabéns
ResponderEliminarAqui perto da Capela havia um farol que em certas noites varria tudo com a sua luz que chegava a Alegrete e sempre me intrigou até que fui lá mesmo ao pé para meu desencanto porque não passava de um edifício um pouco estranho e estava tudo fechado. Tinha eu 10 anos. No caminho de volta para a Capela andei por ali meio perdido e sentei-me no chão e comecei a chorar até que apareceu um senhor que me orientou e lá me desenrasquei..
ResponderEliminar