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terça-feira, 3 de agosto de 2010

Paixões acorrentadas

Um certo Ancião, que tinha jejuado corajosamente durante cinquenta anos, dizia:

«Eu extingui em mim as chamas da concupiscência, da avareza e da vaidade.»

O Abade Abraão, tendo sabido, foi ter com ele e perguntou-lhe: «É verdade que disseste isto?»

«Sim», respondeu o Ancião.

Então o Abade Abraão declarou: «Se, ao entrares na tua célula, encontrasses uma mulher deitada em cima da tua esteira, eras capaz de a considerar como se ela não fosse uma mulher?»

O outro respondeu: «Não, mas posso lutar para não lhe tocar.»

«Então tu não mataste em ti a fornicação», disse o Abade Abraão. «A paixão vive, mas está acorrentada.»

«Supõe agora que estando de viagem, tu vês ouro entre as pedras e os cacos de barro do caminho: serias capaz de olhar para ele como se não tivesse mais valor que o resto?»

«Não», respondeu ele, «mas eu resisto aos meus desejos e não o apanho.»

Então o Abade Abraão observou: «Vês, a paixão ainda está viva em ti, mas está acorrentada.»

Depois continuou: «Se tu ouvisses falar de dois irmãos, um dos quais gosta de ti e diz bem de ti, enquanto que o outro te detesta e diz mal de ti, e que eles te viessem visitar, recebias ambos de igual forma?»

«Não, e teria a alma dilacerada porque me esforçaria por ser tão agradável para com aquele que me detesta como para com o outro.»

Então o Abade Abraão concluiu: «Portanto as tuas paixões não estão mortas. Porque mesmo nos santos elas estão apenas, até certo ponto, acorrentadas.»


Thomas Merton - A Sabedoria do Deserto, p. 102-3.

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