A Parabola da Conferencia dos Passaros - Parte 5
A Descrição do Primeiro Vale ou O Vale da Busca
A Descrição do Primeiro Vale ou O Vale da Busca
A Poupa respondeu:
— Temos sete vales para atravessar, e só depois de havê-lo feito descobriremos o Simurgh. Nenhuma das criaturas que fizeram essa viagem regressou ao mundo, e é impossível dizer quantas milhas temos por percorrer. Sê paciente, ó tu que tens medo, pois todos os que seguiram essa estrada estavam como estás.
"Quando entrares no primeiro, o Vale da Busca, cem dificuldades te assaltarão; serás submetido a uma centena de provas. Ali, o papagaio do céu não é mais que uma mosca. Ali passarás vários anos, farás grandes esforços e modificarás o teu estado. Abrirás mão de tudo que te pareceu precioso e acharás que é nada tudo o que possuis. Quando estiveres seguro de que nada possuis, ainda terás de alhear-te de tudo o que existe. Teu coração ter-se-á, então, salvo da perdição e verás a pura luz da Divina Majestade e teus desejos reais se multiplicarão ao infinito. Quem ali ingressa se enche de um desejo tão grande que se entregará plenamente à busca."
O Segundo Vale ou O Vale do Amor
A Poupa continuou:
— O próximo vale é o Vale do Amor. Para nele entrar é mister ser fogo flamejante — como o direi? O próprio homem precisa ser fogo.
"Neste vale, o amor é representado pelo fogo e a razão, pela fumaça. Quando chega o amor, a razão desaparece. A razão não pode conviver com a loucura do amor; o amor nada tem a ver com a razão humana. Se possuíres a visão interior, os átomos do mundo visível ser-te-ão manifestados. Mas se vires as coisas com os olhos da razão comum, jamais compreenderás quão necessário é amar. Só o homem posto à prova e livre pode senti-lo. Quem empreende esta jornada deveria ter mil corações para poder sacrificar um a cada momento."
O Terceiro Vale ou O Vale da Compreensão
A poupa continuou:
— Depois do vale de que vos falei vem outro — o Vale da Compreensão, sem começo nem fim. Nenhum caminho é igual a esse, e a distância que há de ser percorrida para atravessá-lo desafia qualquer cálculo.
"A compreensão para cada viajante é duradoura; mas o conhecimento é temporário. A alma, como o corpo, se acha em estado de progresso ou declínio; e o Caminho Espiritual só se revela ao peregrino na medida em que este supera suas faltas e fraquezas, seu sono e sua inércia, e cada qual chegará mais perto da própria meta conforme o seu esforço. Quando o sol da compreensão ilumina essa estrada, cada qual recebe luz de acordo com o seu mérito e chega à etapa que lhe foi destinada na compreensão da verdade.
"Mas para cada um que encontrou os mistérios, quantos não terão perdido o caminho na busca! É necessário que seja profundo e duradouro o desejo de nos tornarmos o que devemos ser, a fim de cruzarmos esse dificultoso vale.
"Quanto a ti, que estás dormindo (e não posso louvar-te por isso), por que não vestes luto? Tu, que não viste a beleza do teu amigo, levanta-te e procura! Por quanto tempo ainda ficarás como estás, como burro sem cabresto?"
O Quarto Vale ou O Vale da Independência e do Alheamento
A Poupa prosseguiu:
— Depois vem o vale onde não há nem o desejo de possuir nem a vontade de descobrir. Nesse estado da alma sopra um venta frio, tão violento que, num ápice, devasta um espaço imenso: os sete oceanos não são mais que uma lagoa, os sete planetas, mera centelha, os sete céus, um cadáver, os sete infernos, gelo quebrado. Além disso, há uma coisa surpreendente, que foge à razão: uma formiga tem a força de cem elefantes, e cem caravanas se destroem enquanto um corvo enche o papo.
"Nesse vale, nada que seja velho ou novo tem valor; podes agir ou não agir. Se visses um mundo inteiro ardendo até que os corações fossem reduzidos a simples shish kebab, seria apenas um sonho comparado à realidade. Se miríades de almas caíssem neste oceano sem limites, seriam como uma gota de orvalho. Se o céu e a terra explodissem, reduzidos a partículas diminutas, estas seriam pouco mais que uma folha caída de uma árvore; e se tudo se aniquilasse, desde o peixe até a lua, encontrar-se-ia no fundo de um fosso a perna de uma formiga capenga? Se não subsistir vestígio algum de homens nem de djins, o segredo de uma gota d'água, a partir da qual tudo se formou, continuará sendo matéria de ponderação."
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