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segunda-feira, 10 de junho de 2013

Viagem à Armenia, Terra do Fogo e do Espirito Santo


Viagem à Armenia,Terra do Fogo e do Espirito Santo



O território da Arménia foi ocupado desde tempos imemoriais sendo o centro de passagem dos povos primitivos nas suas migrações.

Existem vestígios arqueológicos abundantes sobre a presença humana desde pinturas rupestres a alinhamentos de menhires que revelam um pouco das suas crenças e práticas.


Existe um local com 223 menhires com cerca de  3m altura dos quais 84 têm um buraco redondo na parte superior. 




Data de cerca de 7000 AC e presume-se ser parte de um complexo com funções astronómicas pois foi verificado que o alinhamento dos orificios aponta para a constelação do Cisne. 


 
Noutro local existem menhires em forma de falos, datados do séc. 1-2 AC, presumindo-se a sua relação com ritos de fertilidade e como simbolo divino.


Datados de 1000-2000  AC existem uns curiosos menhires com cerca de 4-5 m altura com imagens de peixes e touros. 

Estes monumentos estão associados á protecção das fontes de água, o seu nome Vishaps, significa Dragões de pedra e também se presume serem imagens de seres miticos cultuados pelos povos da altura.  


   


Mais tarde o cristianismo apoderou-se deste culto e transformou os Dragões de pedra em Cruzes de pedra, as Khachkars, que para além da cruz Arménia apresentam desenhos geométricos representando a árvore da vida, e constituem uma obra prima que mais parece um bordado de renda em pedra.
     

 No período  primitivo antes de Cristo  o panteão de Deuses nesta zona era básicamente o panteão da zona Mesopotamica-Suméria-Assíria-Babilónia e a sua escrita baseada na escrita  cuneiforme.

Entre este panteão estava a Deusa Anahit, derivada da Deusa Mãe primitiva e que ainda hoje é lembrada em potes de cerâmica com a sua forma que são usados na cozinha para conservar o sal. 


No séc. 1 DC foi erigido um templo romano à Deusa Anahit em Garni que foi reconstruido e ainda hoje maravilha quem o visita.

   
Conta a tradição que foi o herói  Haya ( Deus Haik do mundo da luz e relacionado com o Deus Assírio Enki-Ea e  descendente de Noé )  ao combater e vencer o Deus Bel ( Baal)  do mundo subterraneo que se fixou nesta terra vindo da Babilónia  dando origem ao Hayastan como os Arménios  designam o seu pais.

Um dos simbolos mais antigos na Arménia, são as romãs como símbolo da prosperidade e  fertilidade e de vida, como árvore de vida tem as duas partes, a amarga da pele interior amarela e a doce dos graos interiores encarnados, o amargo e doce da vida logo um bom símbolo como arvore da vida. 
Também como símbolo de realeza pois tem uma  coroa na parte superior.




Na Arménia, mais própriamente no Monte Ararat (agora em território Turco), diz a tradição que pousou a Arca de Noé.


                                  Vista do Monte Ararat 

Dessa Arca saiu primeiro um corvo preto (simbolo da morte como transformação pessoal) e depois uma 1º pomba branca á procura de terra sólida, que regressou à arca sem a alcançar, e alguns falam neste retorno de uma maneira também simbólica (o homem que abandona o mundo e se entrega a Deus cria em si um vazio interior onde Deus pode habitar e o Espirito Santo agir, pois fora desse vazio nada existe para Deus habitar, ou seja, o regresso da pomba pode simbolizar o regresso do homem ao seu Eu, à sua origem divina pois cá fora no mundo não há sitio para ‘pousar’). 

Assim desde tempos imemoriais a pomba do Espírito Santo esteve presente na espiritualidade arménia. 


 Na Arménia pré-cristã existiu o culto ao Fogo de origem Zoroastriana, e como os cristãos costumam dizer, o Espirito Santo é um sopro de Vida, um Fogo de Vida dentro de cada um de nós. 

A tradicao inicial dos rituais de fogo como culto aos Deuses tambem terá vindo da Mesopotamia antiga cerca de 2000-3000 AC e  terá sido reforçada pela introducao da religião Zoroastriana implantada cerca do séc. 2-3  AC.

Na antiga cidade da Idade Média de Ani (Ani significa, chama, fogo, culto da deusa do fogo) existiu um dos agora mais bem preservados Atrushan ou Templos do Fogo.

Assente em 4 pilares tinha uma cúpula redonda por baixo da qual deveria existir um altar para o fogo eterno arder em permanência.

Neste templo era adorado o elemento Fogo (simbolo de morte-transformação interior).


                              Esquema do Templo do fogo em Ani


                              Trabalhos arqueológicos em Ani 

Curioso como as igrejas cristãs posteriores copiaram mais tarde esta geometria das cúpulas redondas dos Atrushan, que ficou como caracteristica de quase todas as igrejas cristãs.

                                 Moeda com altar do fogo

O culto primitivo do fogo foi ‘assimilado’ pelo cristianismo e passou a culto do Espirito Santo, contudo ainda hoje existem festas populares (inseridas em contexto cristão) onde se celebra este culto ‘pagão’, as pessoas fazem uma grande fogueira em frente á igreja e saltam (sobretudo jovens noivos) sobre as chamas para ‘queimar’ os pecados , é chamada a festa do Trndez (ou Tyarndarach), uma festa de purificação cristã 40 dias após o nascimento de Cristo e também um rito de renascimento, de fertilidade da Primavera que começa.


 


 
Outra interessante assimilação das tradições pagãs pelo cristianismo foi de manter os cânticos populares antigos que são ou não acompanhados por flautas especiais (duduk) fabricadas localmente desde tempos antigos e cujo som é inspirador de uma profunda e meditativa espiritualidade.




Com a implantação do cristianismo foram abolidos os cultos pagãos antigos e destruidos os seus templos ou altares rituais, o único templo que não foi destruido foi o templo em Garni que já foi reconstruido e ainda preserva 60% do seu material original.  


 

 

A Arménia foi o 1º pais a oficializar o Cristianismo como religião oficial em 301. 

A prática da Igreja Apostólica Arménia funda-se nos preceitos cristãos originais e manteve-se assim durante séculos até aos dias de hoje tendo o seu próprio Papa, o Catholicus.

A igreja Arménia é independente de Roma como todas as igrejas ortodoxas mas pertence ao ramo Oriental a que estão também ligadas as igrejas Copta do Egipto e Ortodoxa da Etiópia , sendo os rituais da igreja armenia muito próximos dos da igreja etíope.

Na sua prática a doutrina do Espirito Santo tem um papel fundamental expresso nas muitas canções litúrgicas em vigor já referidas acima.


Para os cristãos arménios, o Espírito Santo : 
1) desce dos céus, 
2) entra dentro de cada crente como um sopro de fogo, 
3) dá-lhes a força dessa chama, 
4) dá-lhes a faculdade das linguas, ou abertura de espirito,
5) e dá-lhes multiplas prendas-benesses, conforto espiritual e uma ‘alegria intoxicante’. 

Gregório, O Iluminador descreve o Espirito Santo como uma fornalha, que queima o pecado, sendo o fogo o agente purificador do Espirito, só quem passa, diz ele, pela experiência do fogo, pode receber conhecimento das coisas divinas expressas no Antigo Testamento.

                              Gregório , o Iluminador

Gregório, o Iluminador é o santo padroeiro e primeiro líder oficial da Igreja Apostólica Armênia.

Ele é o líder religioso a quem é creditada a conversão da Armênia do paganismo arménio ao cristianismo, dando ao país a distinção de ter sido o primeira a adotar o cristianismo como religião oficial em 301 d.C. 

A tradição também fala que S. Bartolomeu e S. Judas Tadeu ajudaram na fundaçao da Igreja Arménia.


 
Acredita-se que o pai de Gregório, era um príncipe relacionado aos reis arsácidas da Armênia que foi encarregado de assassinar o rei Khostrov II da Armênia, um dos reis da dinastia, e foi condenado à morte.
Gregório foi levado para Cesareia, na Capadócia, onde foi criado e se tornou um devoto cristão.
Gregório deixou a Capadócia e voltou para a Armênia na esperança de conseguir ser perdoado pelo crime de seu pai através da evangelização de sua terra natal.

 
 
Na época, reinava Tiridates III e em 301, Gregório batizou Tiridates III juntamente com os membros de sua corte e das classes dominantes. 
O rei emitiu um decreto pelo qual ele concedeu a Gregório plenos direitos para levar a cabo a conversão da nação toda à fé cristã.

No mesmo ano, a Armênia se tornou o primeiro país a adotar o cristianismo como religião estatal. 

A primeira catedral a ser construída, a Igreja-mãe em Vagharshapat (Echmiadzin) se tornou e ainda continua sendo o centro espiritual e cultural do cristianismo armênio e sede da Igreja Apostólica Armênia com o seu Papa, o Catholicus. 

Os primitivos Dragões de pedra foram cristianizados e substituidos pelas  'pedras cruz' , chamadas 'khatchkar' que são esculpidas com multiplos desenhos associados à Àrvore da Vida e se colocam nos mosteiros e cemitérios para honrar e proteger os mortos e simbolizar o mistério da vida. 


Numa fase inicial estas pedras tinham imagens da Biblia e de Cristo mas durante a ocupação árabe as imagens foram proibidas e substituidas pelas cruzes em formato de árvores da vida. 
 
 
Normalmente a maioria das igrejas construidas pelos cristãos, o foram por cima de antigos templos do fogo zoroastriano (Atrushan ou templo do fogo eterno) ou mesmo de cultos primitivos anteriores como por exemplo no mosteiro de Gehgard onde uma das salas da igreja se implantou onde existe ainda hoje uma fonte de água e simbolos primitivos de animais simbólicos ( touro, águia, leão e cordeiro) de cultos antigos aí praticados.



 
                                Mosteiro de Ghegard


                       Esquema de Templo de fogo Zoroastriano



A escrita arménia foi criada em 401 e teve um papel fundamental na preservação da cultura armenia, pois como povo errante e dividido era importante o uso da escrita em jornais, manuscritos, livros que mantivessem viva a sua cultura.

Dai serem os arménios o povo que deu origem à Impressão gráfica e por todo o mundo terem sido  eles a dar um grande impulso a essa nova tecnologia.


O povo arménio tem sofrido  ao longo dos tempos várias vicissitudes desde terramotos que arrasaram zonas do pais com milhares de mortos a perseguições e massacres.

Durante a ocupação persa em 1640 foram deportados e levados para a Pérsia cerca de 300.000 arménios, só lá chegaram com vida cerca de metade.

Durante a ocupação turca- otomana  entre 1850 e 1928 foi perpetrado um dos maiores genocídios da historia da humanidade, cerca de 1,5 milhões de arménios foram mortos e deportados pelo ocupantes turcos.




Este ultimo genocídio originou também uma partida  de arménios para todo o mundo, em particular para os Estados Unidos e Europa, havendo muitas pessoas públicas de origem armenia como Charles Aznavour, a cantora Cher e o benemérito de Portugal o milionário Calouste Sarkis Gulbenkian.

Este êxodo fez com que actualmente a Arménia tenha 3 milhões de habitantes dentro do pais e cerca de 7 Milhões fora da Arménia.


É  um povo que tendo sofrido tantos dramas conseguiu até hoje manter viva a sua identidade cultural e religiosa e apesar do seu território actual ser 25% do que teve na época do apogeu da sua civilização devido às ocupações russas e turcas que dividiram entre si o território arménio.


Esta faceta de sofrimento é expressa na sua música e cânticos, onde a saudade , a melancolia e o desespero se misturam e se parecem muito com a Saudade portuguesa e a tonalidade de Fado, onde a guitarra é substituída pela flauta ' duduk' e os cânticos se assemelham ao Fado.

                

A Arménia e Portugal têm uma historia comum.

Um passado de expansão , colonizador e de riqueza e um presente de contracção territorial e de pobreza .


A Arménia passou por muitas mais guerras e sofrimentos que Portugal mas os dois têm nas suas estruturas culturais factores de dor , sofrimento , afastamento da fonte de felicidade que marcam ainda hoje as duas sociedades e se reflectem nas suas mentalidades  e musicas populares.


A melancolia e a saudade no Fado português é muito idêntica à melancolia e dor dos cânticos populares na Arménia sendo a guitarra do Fado substituida pela flauta armenia , o 'Duduk'.



É um país que merece a visita de quem Caminha ao lado do Espirito Santo para o Fogo de Deus.

1 comentário:

  1. Excelente apresentação deste país ainda tão desconhecido, mas de uma beleza rara e até enigmática.
    Bem haja por este belo trabalho!
    Normando Pereira Fontoura

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