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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

As Almas Aniquiladas por Marguerite Porette



As Almas Aniquiladas segundo Marguerite Porette

Marguerite Porete ( ? – 1 Junho 1310 ) foi a suposta autora entre 1296 e janeiro de 1306 de um livro chamado ‘O Espelho das Almas Aniquiladas ‘, segundo consta era natural da região de Hainaut, no norte da França, mas não se tem idéia de onde e quando nasceu.

Pelo teor desse livro foi condenada á fogueira pelas autoridades da igreja de então.

Referia-se a si mesma como uma “criatura mendicante´´, pensa-se ter estado relacionada com os movimentos das Beguinas e do Livre Espirito na altura, era chamada de beguina por tantas fontes independentes que essa designação pode ser considerada como certa.

Marguerite Porete teria alto nível de educação, o que indicaria uma origem nas altas classes.
De qualquer forma, o que prevalece é a incerteza dos dados históricos disponíveis.
Na verdade, há poucas informações disponíveis sobre a autora, excepto nos seus últimos anos de vida, já que constam nos autos de sua condenação.

Marguerite Porete formula o itinerário espiritual da alma, delineando sete estágios pelos quais a alma deve passar para se transformar no espelho cristalino de Deus, os quais culminam na aniquilação do eu e na vida clarificada em Deus e por Deus.

Nessa aniquilação ontológica, a alma cai na certeza de nada saber e nada querer, de viver sem um porquê.

Nesse abismo de humildade, a alma verdadeiramente aniquilada, nobre e livre perde sua própria natureza enquanto algo criado por meio da dádiva do amor divino, retornando ao abismo do ser primordial, onde não há mediação ou diferença entre ela e Deus.


No primeiro estágio, no qual a alma se detém por algum tempo, a alma tocada por Deus busca com todas as suas forças obedecer aos mandamentos da lei divina e morrer para o pecado.
A alma ama porque esse é um mandamento divino.
Contudo, se ela tem um coração “pequeno” e lhe falta a “nobre coragem”, ela não se elevará e não encontrará Deus.

No segundo estágio, a alma reflete sobre o que Deus aconselha a seus amigos especiais, o que difere de seus mandamentos.
Aqui, a alma tenta abandonar a criatura que há nela, por meio de obras que mortificam sua natureza e do desprezo por riquezas, prazeres e honras, para atingir a perfeição aconselhada nos evangelhos, cujo exemplo é Jesus Cristo.
Nesse estágio, a alma não lamenta a perda do que tem.

No terceiro estágio, a vontade e o amor da alma ainda estão ligados às obras de bondade e a alma começa a considerar o martírio que representaria o abandono de tais obras.

Esse estágio é mais difícil que os anteriores, pois “é mais difícil derrotar as obras da vontade do espírito do que derrotar as obras da vontade do corpo ou fazer a vontade do espírito.”

Nesse estágio se inicia o processo do sacrifício das virtudes e das obras, que a alma ama ternamente, mas que distorcem sua percepção das prioridades espirituais, “pois nenhuma morte seria martírio (para a alma no terceiro estágio) exceto a abstenção das obras que ela ama, a delícia de seu prazer e a vida da vontade que disso se nutre.”

Porete considera a servidão às obras e às virtudes como empobrecedora.

Porém, é só ao passar pelo quarto estágio que a alma abandona completamente a obediência às obras e às virtudes.

Esse estágio é decisivo e traiçoeiro na jornada de elevação da alma.

Aqui a alma se encontra submersa na contemplação de Deus e nas delícias e doçuras do amor divino, o que a faz acreditar ter atingido o ápice de sua jornada.

Inebriada pelo brilho do amor e tendo deixado para trás as coisas do mundo, a ascese, as obras e as virtudes, livre de ansiedade, a alma atinge o que lhe parece representar a perfeição humana.

Contudo, ainda não abandonou a vontade do eu e do espírito que a guiou nesses primeiros estágios.
A alma deve morrer para o espírito e para o eu a fim de se mover desse estágio para a vida verdadeira do quinto e do sexto estágios.



No quinto estágio, a alma considera que só Deus É, e que todas as coisas só são por Ele; elas por si nada são.

A alma vê que Deus é a bondade total que colocou nela uma vontade livre, nela que não é nada exceto como “maldade total”.
Ela, que é a “maldade total”, ao aniquilar a sua vontade, recebe de Deus a vontade livre do ser divino.

Essas percepções elevam a alma, e a percepção da luz divina a arrebata e nela resplandece.

Ela compreende que só pode ser ao se separar de sua vontade própria, que a reduz a menos que nada.
Esse estágio é o lugar mais baixo, um abismo de pobreza e de humildade ou simplesmente um “vale”.
Em essência, a alma deve atingir o fundo antes de ascender.

Dessa maneira, ela retorna a seu estado original, sem reter nada de si, e passa a realizar a perfeita vontade divina.

Ela é transformada na natureza do amor por esse dom que nela opera e não precisa mais lutar contra a sua natureza.
É nesse estágio que a alma cai do amor no nada, sem o qual ela não pode ter Tudo.
Todo o orgulho e o sentimento de amor possessivo do quarto estágio são eliminados.

Até esse momento, a metáfora espacial da ascensão mística é consistente, porém aqui há uma súbita inversão, e a ascensão é mostrada como uma queda, pois a alma “cai” das virtudes no amor e do amor na aniquilação e na liberdade.
Em contraste com os que permanecem no quarto estágio, da vida do espírito, e que lutam com sua sensualidade e com sua vontade.

Os que atingem o quinto estágio são levados em êxtase até o sexto, onde não permanecem, retornando ao quinto, onde permanecem.

No sexto estágio, é completada a aniquilação.
Nele, a alma não vê mais a si mesma, nem vê Deus.
É Deus que se vê nela por sua majestade divina.

O espelho torna-se absolutamente cristalino, pois a alma, agora liberada e iluminada, é somente o que Deus é.
“Deus se vê por si mesmo nela, por ela, sem ela,” pois não há nada fora dele.

A alma aniquilada realiza, sem o trabalho de sua vontade, a glória eterna de sua existência dentro da Trindade e da Trindade dentro dela, retornando à sua origem e “lá” se estabelecendo, embora continue a se mover segundo a vontade de Deus.

Periodicamente, tais almas são levadas em êxtase pela Trindade para uma “visão” de absoluta paz e glória, um vislumbre do que a alma desencarnada irá usufruir eternamente no sétimo estágio.

Esse sétimo estágio é de glorificação, “Amor o guarda para nos dar na glória eterna”, e só quando a alma deixa o corpo é que podemos atingi-lo.


Tal alma passou por sete estágios marcados por três “mortes”: a morte para o pecado, no primeiro estágio, a morte para a natureza, no segundo, e a morte para o espírito, que ao aniquilar a vontade, libera a alma e a leva para o nada onde ela e Deus se encontram.

Para Marguerite Porete, a alma aniquilada nada mais busca.

Ela compreende que qualquer coisa criada que acreditava possuir nunca foi verdadeiramente dela, pois não há nada senão Deus.

Ela é tão pobre e cai tão fundo no abismo da humildade que “nada sabe”, “nada quer” e “vive sem um porquê” .

Mas então, o que elas quereriam? Elas não têm mais nenhuma vontade.
E se elas quisessem alguma coisa, se separariam do Amor.

Não há mais aqui outra vida do que sempre desejar a vontade divina.
Ele não lhe falta; portanto, por que ela O buscaria???

Porette não parece estar particularmente interessada no destino da massa da humanidade e sim no destino de certas almas individuais eleitas.

Porete acha que o sacrifício de Cristo, como pagamento do débito da humanidade para com Deus, redime o pecado original e atenua a profunda alienação humana, mas não é suficiente para certas almas que buscam a aniquilação e que devem ser responsáveis por seu próprio caminho de salvação.

Porete rejeita os caminhos do sofrimento do corpo e da alma.

Embora o Paraíso seja o lugar onde as almas tristes e presas alcançam a mais alta visão de Deus, não é a destinação das almas aniquiladas, pois ainda é um lugar que se deseja alcançar.

A destinação última das almas nobres é coisa alguma, nada.

No texto poretiano a alma aniquilada torna-se o espelho cristalino de Deus.

Em última análise, essa alma é necessária a Deus, à medida que é um exemplo para todos e um espelho para a glória de Deus.

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