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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Loucura segundo Jacob Boehme - Parte 2



A Loucura segundo Jacob Boehme - Parte 2

Existe e onde está Deus ?

A razão diz :

-Ouço muito falar de Deus mas ainda não conheci ninguém que o tenha visto, dito onde Ele está e como É, nunca ninguém regressou da morte e disse ter visto Deus.

- O mundo está cheio de sofrimento, guerras e miséria, como pode existir um Deus que deixa morrer na miséria aquele que Nele acredita?

Boehme responde :

- A razão é uma vida natural perecível, pois tem inicio e fim e logo aí nunca poderá entender o fundamento eterno no qual Deus pode ser entendido.

O homem racional sofre com o mal e a injustiça no mundo onde vive.

Devido a esse sofrimento a vida da razão tende a ‘aspirar’ a um ‘regresso’ a algo que ‘sente’ existir e onde ‘sente’ que esse mal e injustiça não existem.

Esse algo ainda não sabe o que é, mas sabe que pode ser aí que teve sua origem.

O homem racional usa a sua oposição ao mal e injustiça para rejeitar a sua vontade natural e tender a dirigir-se para esse algo, essa Vontade original.

A razão diz :

- Por que Deus criou uma vida angustiante e sofredora? O mundo não seria melhor sem sofrimento e angústia? Porque Ele, se Criador, tolerou a vontade desobediente e contrária?
Porque não destruiu o mal para que só houvesse o bem?

Boehme responde :

- Sem contrariedade nada pode ter consciência de si.

Sem mal e sofrimento o homem da razão não pensaria sequer que pudesse haver outra vida, pois tudo era perfeito e não haveria ‘opçoes’ por assim dizer.

Pois se nada há que lhe resista, sai continuamente de si e nunca a si regressa!!

Se nunca a si regressa, nunca regressa de onde veio, nunca conhece a sua origem e causa.

Se a vida natural não tivesse contrariedade alguma e não tivesse limite, nunca perguntaria pelo fundamento de onde provém, de modo que Deus oculto permaneceria desconhecido para a vida natural.

Por isso Deus deixa que o homem sofra até perceber a ‘loucura’ que é negá-lo e viver sem seguir a Lei e a Vontade divinas .

Quando o homem percebe num dia da sua vida a ‘loucura’ em que vivia, o sofrimento causado pelo erro se detém, pois ele reconhece que o mereceu e vê que isso serviu para reconduzi-lo à Verdade, agradece a Deus pelo sofrimento mas a principio não perdoa a si mesmo por ter persistido por tanto tempo em sua louca cegueira.

Assim também se percebe porque Deus criou, a criação foi uma ‘necessidade’ Dele que era Uno para se conhecer a Si mesmo.

Se Ele não se tivesse conduzido para fora de Si (a fim que uma contrariedade pudesse surgir) para a divisibilidade nas criaturas, divisibilidade que é uma luta, um permanente contraditório, como se poderia conhecer a Ele mesmo numa Vontade que é única?



A razão diz :

Então é bom e útil que junto com o bem haja o mal ?

Boehme responde :

O mal, como vontade contrária, faz com que o bem queira regressar à sua existência e causa primeira, ao Bem, à vontade Boa, pois uma coisa que em si mesma é apenas boa e não tem nenhum sofrimento nada deseja, porque não conhece nada de melhor que possa desejar em si ou para si.

Através do mal, o Bem torna-se perceptivel, efectivo e capaz de vontade, pois desejará separar-se do mal, deseja estar tranquilo de novo e aspira a entrar de novo no Um (retornar à Vontade única).

Deus só pode desejar a Si mesmo, pois nada mais tem diante ou depois Dele que possa desejar.

Mas se a Sua Vontade ‘imagina’ em ideia algo, esse algo só pode emanar Dele e é um contrário. Se esse algo fosse uno então a Sua Vontade não poderia exercitar-se aí, daí se ter dividido em principios e criaturas para aí operar.

Na mente do homem existe um método semelhante.

Se a mente não saisse de si, não haveria pensamentos, sem pensamentos não haveria conhecimento de si e seriamos incapazes de criar e agir.

Contudo o afluxo de pensamentos à mente, origina um contrário da mente com o qual ela se descobre a si mesma, faz com que ela queira e deseje algo e para aí dirija os seus pensamentos para nessa operação se revelar e contemplar em acção neles.

Essa divisibilidade permanente em centros de contrários (de opostos) é que permite que a mente conheça e conceba as maravilhas e poderes da Sabedoria divina num modus operandi semelhante ao da própria emanação divina.

Deste emergir de contrários em todos os planos, surge a luta permanente, a angústia e o desejo da mente aflita de regressar ao Sossego, de mergulhar de novo no repouso eterno na Casa do Pai pela Fé e pela Esperança.

Deste permanente contraditório em tudo, se percebe que em todas as coisas e criaturas coexista o bem e o mal.

O bem é a Inteligência da Vontade una que tende para a origem do poder divino e deseja um contrário que lhe seja semelhante, algo de bom, onde a boa Vontade divina emanada possa operar e manifestar.

O mal é a vontade pequena, própria, natural, é a Loucura que procura também um contrário semelhante, que para ela será uma substancialização, uma corporiedade, a única coisa que deseja para ela.

Em cada homem existem pois estas duas facetas ou naturezas, uma eterna, divina e espiritual e outra perecível, criada e natural.

Ambas buscam contrários semelhantes, uma o seu contrário de origem divina, outra o seu contrário meramente material ou natural.

Sem a Loucura não haveria manifestação da Sabedoria, a Loucura é um dos contrários dessa manifestação mas a Loucura atribui poder apenas a si mesma, à sua egoidade por meio de um fundamento que tem inicio e fim.

Nota : A Loucura é uma mente e uma vida que se apoiam apenas em si mesmas, é a razão natural e a vontade própria.

Assim a vida eterna é revelada pela Loucura, a fim de que nela se possa elevar um louvor à Glória de Deus e o eterno e permanente possa tornar-se conhecido no mortal.

Através do sofrimento infligido á vontade própria, a vida e a razão que querem se apoiar apenas em si mesmas ( isto é a Loucura) desejam retornar á sua origem e se persistem nesse desejo e nesse retorno, o celeste ( Deus, o Amor, a Liberdade) acaba por se manifestar no terrestre, no homem, libertando-o dessa dor e sofrimento.

A vida da razão é apenas um contrário da verdadeira vida, e se não encontra em si, fome ou desejo algum pela vida donde se originou, ela não passa, em sua própria vida, de uma loucura e de um jogo onde a Sabedoria manifesta suas maravilhas.

A razão louca e terrestre não entende que o homem sábio é livre em si mesmo, pelo sofrimento e contrariedades, odiando a frágil vida terrestre, morrendo para a razão natural até sua vontade própria se romper, caindo em sua primeira origem e aí nascendo de novo.

Não entende que para a Sabedoria a sua vida não passa de uma Loucura através da qual se revela para ser conhecida.

Não percebe que se desviou de Deus em direcção ao egoismo e aos seus próprios poderes e habilidades que são finitos.

A razão terrestre ao ver o sábio ser enterrado sem ajuda pensa, erradamente, que Deus o abandonou, logo diz que Deus não existe, que não recebeu de Deus nenhuma libertação e depreende, outra vez errôneamente, que sua Fé estava equivocada senão Deus o teria libertado durante sua vida.

Pior ainda, como não sente nesta vida qualquer punição, conclui que não vale a pena se esforçar, tomar qualquer decisão espiritual enquanto vive.

Esquece que quando morrer a luz exterior se apaga e ver-se-à no desespero, sem libertador algum por perto.

Ao contrário o homem sábio, observa a loucura que traz atrelada a si durante a vida, e aprende a odiá-la, apesar da sua sabedoria ser vista pelo mundo como loucura e por isso humilhada.

Ao morrer, o sábio apreende a essência divina nele e deixa o corpo da loucura descer ao tumulo com ela.

A razão é louca porque não entende isto.

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