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domingo, 28 de fevereiro de 2010

Lectio Divina- Leitura Orante

LEITURA ORANTE: DADOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS

1. TERMINOLOGIA:
A expressão Leitura Orante (Lectio Divina), significa : leitura divina, leitura orante, leitura lenta e atenta da Palavra de Deus. É uma maneira orante de fazer a Leitura da Bíblia ou de outros textos sagrados dialogando com Deus a partir de sua Palavra. A Leitura Orante da Bíblia para ser bem feita, exige atenção, disciplina, assiduidade, humildade, gratuidade e prontidão para acatar os ensinamentos divinos. E ainda, atenção ao método proposto (leitura, meditação, oração e contemplação).
É colocar-se a disposição de Deus: “Fala Senhor que teu servo escuta”. (1 Sm 3,10).“Faça-se em mim segundo a tua Palavra”. (Lc1,38).

1.1 CONHECENDO A HISTÓRIA
Já os judeus entendiam que a Escritura Sagrada-Torah era a presença de Deus no mundo e que deveria ser experimentada pela oração, meditação e contemplação (Ne 8,1-12), pois é através da meditação que o povo descobre a vontade de Deus em seu dia-a-dia. (Js 1,8; Sl 1,2).
Os Santos Padres seguidos pelos Monges do Deserto, dentre eles se destaca Orígenes, assumiram a prática da Igreja primitiva, de fazer uma Leitura Orante da Palavra, e assim, difundiram aos fiéis. Para eles “a Leitura Divina supõe escuta e resposta”. Outro grupo importante pela prática da Leitura Orante são os monges. Eram assíduos na meditação, vivendo na intimidade com Deus por meio da Palavra.
A Leitura Orante, como é conhecida hoje, com seus quatro passos: leitura, meditação, oração e contemplação, foi sistematizada no século XII, por um monge Cartuxo, chamado Guido II da ordem cisterciense na sua famosa Scala Claustralium.
Já para S. Bento, a Lectio Divina é uma ocupação séria e empenhada, assídua e participada. Deve transformar a vida e tornar-se caminho de perfeição. Os textos eram proclamados em voz alta, porque a oralidade, a palavra sonora, era fundamental. Muitas vezes, os textos bíblicos também eram entoados, quer os salmos, quer os outros textos. O Cântico Gregoriano está intimamente ligado à Lectio .



Preparação para a prática da Leitura Orante

- Escolher um texto com antecedência.Pode ser a Palavra da Liturgia do dia ou outro texto sagrado que tenha significado para nós.
- Estar em Paz interior para poder silenciar e escutar.
- Ter hora e lugar marcados. Ser fiel ao plano proposto.
- Tomar posição tranqüila e agradável. Cuidar da boa posição do corpo.
- Fazer um pequeno relax, acalmar-se. Fazer o ninho para a oração.
- Colocar-se na presença de Deus com fé. Desejar esse momento de rezar.
- Invocar as luzes do Espírito Santo.
- Ter paciência, não desistir, perseverar.
- Abrir o texto e realizar os quatro passos: Leitura, Meditação,Oração e Contemplação para a acção.


1.2 Os quatro passos da Leitura Orante segundo Guigo II

No século XII, o monge Guigo II, enquanto fazia trabalhos manuais, trazia consigo uma escada. Pediu a Deus que lhe desse a graça de subir até Ele, assim como se sobe em um andaime, foi então, que teve uma visão, na qual, viu uma escada com quatro degraus que chegava até Deus, chamada “escada espiritual”, ou “escada dos monges”, onde cada degrau estava interligado com o outro, sendo que o primeiro degrau era sustentado pela Palavra. Os degraus eram: leitura, meditação, oração e contemplação. A base da escada unia a terra ao céu, chegando até Deus. Na escada de Guido cada degrau precede e depende do outro, nenhum pode subsistir sem o outro. Assim acontece com a leitura, meditação, oração e contemplação.
A leitura oferece o material para a meditação. A assimilação da meditação leva a oração e a oração provoca a contemplação, segundo a qual, o fiel passa a ver o mundo com os olhos de Deus .

Leitura (Lectio): É o primeiro degrau da escada. Ela se propõe a responder a seguinte questão: O que o texto diz em si? É um processo lento, onde o leitor precisar ler várias vezes o texto, até se familiarizar com a Palavra, sendo capaz de contar espontaneamente o texto lido. Nesse passo, recomenda-se que se observe as palavras chaves, os verbos, as palavras repetidas, podendo grifar a expressão que mais chamou a atenção. Ao ler o texto sagrado não se pode desconsiderar o contexto em que foi escrito. Faz-se necessária uma leitura atenta e lenta para não manipular o texto, considerando os três níveis: literário, histórico e teológico.
“No nível literário vai-se analisar o texto, descobrindo a sua relação com o contexto literário. Algumas perguntas podem ajudar como: Quem? O que? Por quê? Quando? Como? Com que meios? Como o texto se situa dentro do contexto literário do livro de que faz parte? No nível histórico vai-se buscar conhecer o contexto nos aspectos: político, social, econômico, ideológico, afetivo, antropológico e outras. Procura-se descobrir quais os conflitos que estão por traz do texto ou nele se refletem para, assim, perceber melhor a encarnação da Palavra de Deus na realidade . No nível teológico vamos procurar saber o que Deus tinha a revelar naquele tempo e como o povo respondia, assumia e celebrava a Deus. Busca-se o sentido de cada palavra. Aconselha-se a usar alguns recursos como: comentários, notas de rodapé, dicionário”... Depois de se ter obtido todas essas informações, quando se sente interrogado pela Palavra, então chegou o momento de se passar para o segundo passo.

Meditação (Meditatio): É o segundo degrau da escada orante, o momento de atualizar a Palavra. A Leitura Orante, é como um espelho, que reflete o passado no presente, no chão concreto do dia-a-dia. A meditação busca uma resposta iluminadora para a vida a partir do próprio texto sagrado. “O que o texto me (nos) diz hoje”? Propõe-se uma reflexão profunda, e interpeladora como fez Maria (Lc 2,19. 51). A Palavra faz uma conexão entre o texto e a vida, entre nós e Deus. Algumas perguntas podem ajudar como: “Qual é para mim a idéia e o valor fundamental do texto lido? Por que é importante? O que me sugere e como me questiona? Com qual personagem me identifico? Que sentimentos e atitudes me transmitem? Como posso, com esses pensamentos, iluminar minha vida? Trata-se de deixar que a Palavra penetre profundamente na intimidade do meu coração, e depois mobilizar todas as energias para confrontar-se, ir dentro da Palavra e converter-se a ela. A meditação indica o esforço que se faz para atualizar o texto e trazê-lo para dentro do horizonte da vida e realidade, tanto pessoal como social”. Outro modo de meditar é “ruminar” a Palavra, repetindo várias vezes o versículo que mais chamou a atenção, saboreando-a até que ela ilumine a missão (Ez 3,1-3). A meditação nos ajuda a compreender, pela ação do Espírito Santo, o próprio Deus (2 Tm 3,16), e a entender o sentido pleno da Palavra (Jo 16,13). Quando a Palavra provoca desejo de falar com Deus, então chegou o momento de subir mais um degrau.

Oração (Oratio): É o terceiro degrau. Acontece quando se é capaz de perceber a luz da leitura e a meditação dos apelos de Deus. É quando a Palavra lida e meditada provoca um diálogo com Deus. “O que o texto me (nos) leva a dizer a Deus”? É o momento de resposta, de confrontação entre o projeto divino e a fragilidade humana. Os questionamentos feitos pela Palavra se tornam oração, motivo de louvor, súplica, ação de graças, arrependimento. A oração faz voltar a Deus o que ele mesmo disse pela Palavra e pela ação do Espírito Santo. Ela se insere na própria vida. O que se vive torna-se conteúdo da oração e expressão do amor de Deus. A oração leva à ação e a ação leva à oração (Lc 10, 29-42). Entretanto, os momentos reservados são essenciais para um encontro íntimo e profundo com Deus que se revela na Palavra e na vida humana. Toda a oração deve ser movida pela Palavra, deve-se falar com Deus a partir do texto. Quando as palavras se esgotam e brota no coração o desejo de ficar calado diante de Deus, apenas deixando-se ser amado por ele, então está na hora de passar para o passo seguinte.

Contemplação (contemplatio): É o último degrau da escada. Para a tradição da Leitura Orante, a contemplação é o ápice, o ponto alto do método, é o resultado da assimilação da Palavra de Deus no coração humano. Leva a dar uma resposta a Deus assumindo compromissos de acordo com a Palavra: “O que o texto me (nos) leva a viver”? A contemplação é o resultado dos três primeiros passos, é como a seiva de uma planta, é a doçura, o sabor, o que restou da leitura, meditação e oração. É a hora de fixar o olhar em Deus (Sl 25,15a), deixando-se abraçar por Ele (Lc 15,20). A contemplação não requer palavras, mas um silêncio contemplativo. Ela convida a conversão, ao compromisso, ela leva a ação.

A Oração centrante é uma modalidade de oração contemplativa que se enquadra nesse quarto estágio da Lectio Divina.

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